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10/11/2013

O Meu Lindo e Maravilhôso Minho





« ...  bem Menino , eu Vivi Êste Minho ...lembro-me como se fôsse agora  , de , pequenino , guiar os carros dos Bôis ,  aquêles mansos "monstros" , mêsmo atrás de mim , e lembro-me  de matabichar bem cedinho de manhã , uma malga de Sôpas de pão e leite frêsco da Quinta  e , de   seguida  , com o Sol ainda a  nascêr  na manhã frêsca , sair com a minha avó Quina para o Monte á cata de mato e lenha nas nossas  bouças ...o carro chiava enquanto subia puxado pelas nossas Galêgas , com a Vó Quina  a conduzir  , as rodas encarreiradas nos sulcos centenares , irregularmente  marcados nas lajes de granito que atapetavam os Caminhos da Aldeia  , e  eu , pequenito , feliz , lá ia sentado na traseira do carro  , aos saltos , enquanto o carro solavancava e subia .... o arôma frêsco da Mata , dos Pinheirais do Monte , ia crescendo , enquanto o nosso Casal de Santo António e a Aldeia  , iam ficando  mais pequênos , lá mais para baixo ... 
Êstes , e outros(muitos e muitos ...)  Momentos Imorredoiros , eu Vivi , enquanto Crescia , Acarinhado pela minh'Aldeia , aninhada no ventre criadôr da Mãe Montanha ... Tempos de Infinita  Belêza ,  Alegria e  Simplicidade que continuam Imorredouros e que o meu Coração relembra com imensa Saudade ! ... »

Rogério Maciel (in Infância Feliz )





«    O MINHO – AS INFLUÊNCIAS ÉTHNICAS – A       PAIZAGEM E A MULHER

Desde as alturas da Penêda, do Suajo, do Gerez e da Cabreira até ás suavíssimas praias do sul do Lima e ás veigas fartas da Areosa, o solo minhôto desce lentamente para o mar. A brisa do Oceâno adoça este clima, agreste ainda nos píncaros limítrofes da Hespanha e de Traz-os-Montes, acariciando e fecundando a terra com a suavidade bucólica já de longos anos observada e a esplêndida fartura que dos arredores da Barca e de Guimarães se alastra até ao litoral. N’êste abençoado terreno fervilha a população mais densa de Portugal. Terra alegre, e qualquer parte d’esta região, que não fique entre os penhascos das serras interiores, para tôda a banda onde a vista se alongue é certo encontrar vinhedos e milharaes: ora , o pão e o vinho, tôdos o sabem, são o Côrpo-de-Deus e o Sangue de Christo.




Assim, por estes sítios, entre a natureza e o homem ,  há um acôrdo tácito que torna a terra mais productiva e a vida social mais confortável. A paisagem, da meia-encosta para o mar, é d’um suprêmo encanto, macia e dôce como o dôce mel. Por isso os minhõtos são como as abelhas; apegadas ao colmeal trabalhando e zumbindo, isto é, cantando.
A natureza do terreno em declive , divide a região em duas partes bem distintas: a montanha e o litoral, a serra e a ribeira. A população das serras que constituem a ossatura geológica do Minho é a serrana; a dos valles e das praias a ribeirinha, mais densa e instruída que a das montanhas, mais alta também, quanto a estatura. Sobre os elementos ethnogénicos que nos tempos proto-históricos aqui assentariam, e que seriam Ligúres, crusaram-se as migrações célticas, de predomínio hoje manifesto nas partes montanhosas de Ponte do Lima e de Castro Laboreiro, e, mais tarde, as invasões nórdicas, cujo typo anthropologico predomina ainda nos valles e no litoral. Estes povos não modificaram a cultura primitiva tanto quanto ethnicamente se desenvolveram, ao contrario do que sucedeu com os outros povos invasores dos tempos históricos. Etimologicamente, o elemento ligure predomina nas serras, como em Castro Laboreiro; o elemento céltico, moreno, do Ancora ao Cavado; e o elemento nórdico, louro e sardento, do Cavado ao Ave. Mas aos efeitos dos cruzamentos e á acção do tempo sobre as diferenciações ethnicas resistiram notavelmente as mulheres que sempre revelaram e revelam, nos seus usos como nos seus typos, as mais remotas influências ancestrais.


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Por cá , a mulher, mais do que o homem, é um producto da terra, espontâneo, natural; á paisagem inteiriça, áspera e sóbria da montanha corresponde a physionomia rude, severa e triste da serrâna; como á paisagem maleável, dôce e farta da beira-mar corresponde a physionomia viva, afável e alegre da ribeirinha. O scenário dos valles e das encostas, afagado pelo sol, lavado pelas chuvas, movimentado pelos ventos, com águas que se beijam, pinheiraes que se abraçam, campos que dormem juntos, com um céu luminoso e sadio que tudo cria e tudo absolve abraçando casaes e colheitas no mesmo luminôso sorriso, raramente interrompido pelas cóleras da terra e pelas tormentas do ar, é uma formidável quermesse natural: por isso não há terra como esta para romarias e folguêdos, não há terra portugueza onde se cante com mais alegria nem onde com mais espontaneidade se ame. A terra , amorável , dá o vinho espumôso que mata a sêde e alegra a alma, o trigo e o milho de que se faz o pão-de-Deus, o quente linho de que se vestem homens e mulheres, e a lenha para o lume, a madeira para a casa, a palha para a enxêrga…


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N’esta alegria das coisas, move-se a mulher minhota, a mais linda mulher de Portugal; esculpturas perfeitas, como as de Seixas, a quem Páris não recusaria a maçã, palminhos de cara, como as de Afife, que fariam pecar Santo António. E ellas sabem-no, as marôtas! É ver como as saias se encurtam deixando vêr a perna tentadôra. É vêr como os colletinhos abertos suspendem e amparam os fortes seios. É vêr como os bustos se requebram no voltear do Vira e no passeiar do Regadinho. Também o homem, no Minho, se habitua desde creança a admirar a mulher; e mesmo, depois de casado, nada faz, por via de regra, sem a consultar. A emigração, afuguentando o minhôto, augmenta o predomínio da minhôta. E não seria temerário paradoxo afirmar , que para estas bandas, o homem… é a mulher.




A MULHER COMPANHEIRA DO HOMEM – FESTAS E TRABALHOS AGRÍCOLAS

O Celeiro do Alto Minho é Coura, terra das papas, paraízo da borôa. Como por lá o terrêno é mais fundo e húmido, as colheitas fazem-se no S. Martinho, e sangra-se Christo sem escrúpulo. São as martinhadegas. Parece que o nome explica os usos. E de facto explica. As mulheres entram com os homens nas malhadas 




  com eles manejam, alternadamente, os mangoaes. Nos terrenos mênos fundos e mais secos, pelo leste do Minho, as malhadas fazem-se mais cêdo; e mais cedo ainda, em setembro, pelo S. Miguel (dia santo em todas as aldeias minhotas), faz-se a desfolhada



Nota minha: Na Desfolhada do Minho, tudo se passava á Noite , ao serão(participei em menino em algumas), calmamente(nada de música instrumental ou danças)sentados/as á roda das Maçarocas, mas alegremente, em que se falava e brincava(mas também se podia Cantar cantigas da Tradição), enquanto que as maçarocas iam sendo Desfolhadas.E sim se uma Môça(ou Môço) encontrava a Espiga Encarnada, então ela ia mêsmo beijar quem mais lhe interessava...não havia nada êsses bailaricos ou música tradicional Minhôta.Isso era reservado para fase seguinte , que era A MALHADA.Aí sim , havia a Festa, mas pricipalmente , só depois de se Malhar o Milho na Eira.Não sei porque é que não fazem Malhadas , mas A Festa , era só nas Mlhadas.Não nas Desfolhadas , que era uma reunião Calma e de almas, de diferentes casas, Vizinhos e da própria casa(que iam rodando de Casa em casa(Colheita em colheita) , num verdadeiro espírito de Comunidade, Local e Tempo de Trabalho,Divertimento e onde , tanto Rapazes, como Raparigas , podiam encontrar (quem sabe) a sua futura alma gémea, começar Namôro e seguir casados pela vida afora.Só nas Malhadas é que havia a Festa com Música, muita Alegria e Movimento.Aó os recém casalinhos podiam Dançar .Isto tem muito que se lhe diga, mas acho que as Gentes se esquecêram bastante das suas Tradições.

 Esfolhear o milho consiste em descamisar-lhe a espiga. Devia ser um trabalho enfadonho. Pois não é. Por toda a parte é uma pandega de truz. No coberto ou na eira reúnem-se os vizinhos á gente da casa, e não faltam á festa as cachopas bonitas com os seus conversados. Sentam-se todos no chão ou onde Deus quer, n’uma grande roda. Canta-se ao desafio, conversa-se e quando aparece o milho-rei corre o possuidor a roda a colher abraços da sociedade. Ás vezes irrompe do escuro uma mascarada pitoresca. Dança-se e ceia-se. Come-se bacalhau ou sardinhas, a borôa, um caldo de couves com feijão; bebe-se a pinga do Senhôr; e, como ás vezes o amôr e o vinho fazem das suas, não é raro acabar tudo á meia-noite com muita pancadaria. Nas malhadas de centeio, mais montanhezas, cada infusa de vêrde é acolhida com vivas desengonçados a que chamam apupos. Mas quanto mais os mangoaes trabalham mais a fome aperta. Por isso, antes do meio dia, cae na cozinha um grupo de malhadôres, cocando a comida ou as mulheres. Mas estas não são pêcas: brigam com êles – defendendo-se a tição, com a pá do fôrno, a braço, como calha – e expulsam-nos para a eira com grande alarido. Ao arrumar da palha, arma-se um môno representando uma velha, a cujo enterro se procede imediatamente, indo atraz o viúvo como carpideira.
Não são estas porém as únicas festas agrícolas da região. Há as lavradas pela Páschoa.


Lavrada Minhôta , em que, não só a família como a vizinhança ajudavam ,
 e isto era(e ainda é) rotativo, um Trabalho Comunitário.Iam primeiro os/as Lavradeiras 
com as enxadas cavar a Leira e depois passavam os bôis com o arado. No final semeava-se 
os cereais .Mas êste filme já dá uma ideia da Belêza simples dos Trabalhos do Campo no Minho

 E em Junho, foucinha no punho, lá vae tudo para as veigas segar o trigo e o centeio. Depois da apanha do linho, faz-se também, pelo S. João, a espadellada



Todas as cachopas, com o seu cortiço ao lado e de espadella 

O Linho , a Espadela e o Cortiço

 na mão, trabalham como formigas e cantam como cigarras. 


Fica aqui um linque  com uma sequência de vídeos sôbre os Trabalhos do Linho:

http://www.youtube.com/results?search_query=Linhal+de+Currais+2009&page=1

Vão-se chegando os rapazes, que se prantam de roda, encostados aos varapaus. Surge, de repente, o tocadôr, com o cavaquinho ou o harmónico; e lá se abandonam os cortiços e se pousam as espadelas, porque já as moças, a mai-los moços – vira que vira, - entram na dansa, de mãos erguidas, emquanto os velhos saboream a pinga, limpando a bocca ás costas da mão. Nas vindimas canta-se também, está visto, mas, depois das maceiras terem deitado as uvas nas dornas ou nos lagares, o mulherio retira-se prudentemente, porque o resto, cá no Minho, é só para homens. 




São os homens, de calças arregaçadas, e alguns mesmo sem calças, que vão pisando os cachos, emquanto a ceia se faz e a véla de sebo dura accêsa.
O inverno aproxima-se, com o seu cortejo de chuvas e ventanias. Ora o frio esperta o estomago. É preciso arranjar presigo que aquente. Como no dia de Santo André quem não tem porco mata a mulher, convém evitar a viuvez, sacrificando sobre o banco esguio, á faca do matador, o cevado que no chiqueiro grunhe. A matança é um caso complicado que demanda conhecimentos domésticos. Até á dependura do porco e ao preparo da salmoura mestrejam os homens, mas os cuidados culinários do sarrabulho cabem às mulheres. O mulherio da casa e da vizinhança junta-se na cozinha a petar cebola para os chouriços, a fazer os rojões, a bater o sangue para o arroz de sarrabulho, a preparar o lombo e a collada, a lavar as tripas, a encher as farinheiras ou as alheiras, a depennar o gallo (porque sem gallo não há sarrabulho que preste) e a compor a vinha d’alhos, enquanto as crianças contemplam a bexiga que, perto do lume, secca dependurada. Isto porque, nas casas boas das aldeias, o jantar de sarrabulho, bem regadinho de verdasco desde a canja até o lombo, dura horas que nem Deus conta, e para mais, quasi sempre com o senhor parocho á cabeceira.
Assim o homem se prende á terra e a agricultura e os cuidados caseiros entreteem a mulher. Mas sem os bois como se há de lavrar o campo? Quem dá o leite, senão as vacas? Não é também só de linho que se há de compor o bragal! A lã dos carneiros e das ovelhas aquece mais, no inverno, que o vinho das infusas. Os animais auxiliam o lavrador. É raro o que não sustenta bois, próprios ou tomados a ganho. Mas, além dos bois, há os porcos, as galinhas, as cabras, as ovelhas, o cão, que vigia toda a noite no quinteiro, o gato, que se enrosca na quentura do lar. É a mulher, quasi sempre, que trata dos animais: encurrala as cabras e as ovelhas, faz a cama ao gado, tira o leite ás vacas, escalda o farello para as gallinhas, prepara a lavadura para os porcos. Além d’isto, trabalha no campo como qualquer homem, em especial a casada de poucas posses, ou occupa o tempo em industrias caseiras, como a tecelagem e a fiação. E quando se trata d’uma festa, não há ninguém como ella para enfeitar um arcos de flôres, para adornar um altar, para animar um leilão de prendas com segredinhos disputados, como não há ninguém como ella para amanhar uma ceia, tecer o linho, urdir, fiar, cantar, puxar os cordões à bolsa, calcular, rezar e descompor alguém.



AS HABITAÇÕES. VIDA FAMILAR. O NATAL
Como acontece com a gente, os caracteres do terreno actuam sobre a disposição das habitações. Falando-se da mulher, tem de falar-se da casa, onde ella reina. É claro. Ora nos solos graníticos, onde as nascentes abundam, embora frouxas, as casas estão espalhadas e separadas, occupando grande extensão; nos solos calcareos, onde rareiam, as casas agglomeram-se e anunham-se por onde a agua existe; e, consoante a cal escasseia ou sobra, assim as casas das povoações ruraes nos apparecem á vista negras e encolhidas, a confundirem-se com as pedras e as brenhas, ou alvas e altaneiras, a sobressahirem do solo fecundo. Nas serras que no inverno o vento açoita e a neve cobre, fiadas de pedras seguram as telhas ou o colmo das habitações; e logares há, como Castro Laboreiro, em que no cume do inverno os serranos mudam de residência para as inverneiras, que são casas abrigadas nos reconcavos das encostas ou mesmo no fundo do valle. A cobertura das habitações é, conforme as posses e as condições locaes, de schisto, feno secco, giesta, colmo ou telha vã. Nas casas pobres não há divisões, vivendo promiscuamente a família com os animaes domésticos; o fumo sae pelos interstícios da cobertura e as creanças dormem na mesma canastra, com os cães. Nas povoações ribeirinhas, mais fartas, já a casa se divide em cozinha e mais quartos, e ao pé d’ella ficam as outras construcções agrícolas: côrte do gado, celeiro, coberto, eira e espigueiro. Quando a habitação, por ser mais rica, tem mais outro andar, o gado fica nas lojas térreas, e o acesso ao andar habitado é feito por uma escada externa de pedra, sobre cujo patamar superior se abre um alpendre. É frequente vêr-se ainda, ao longo de toda a fachada da casa, uma varanda saliente.
Nas longas noites de inverno toda a família se reúne na cozinha, peça principal da habitação rural do Minho, e ahi, á ténue luz da candeia ou á crepitante palpitação do lume do lar, as mulheres fiam nas rocas ou dobam nas dobadouras o linho ou a lã das maçarocas e meadas, enquanto as creanças escutam, de bocca aberta, as historias tradicionais que a avó desfia, como desfia a estopa, ou as confusas dissertações de algum patranheiro da casa: no período que decorre de Santa Luzia ao Natal, vae alguém, de quando em quando, á porta observar o tempo, porque já começam as quendas. Isto quer dizer que os 12 dias que vão de 13 a 24 de dezembro condensam no seu aspeto, os 12 meses do anno que vem. Chega a véspera de Natal e toda a família se movimenta n’um desusado alvoroço. É a verdadeira festa do lar minhoto. É a consoada.
Ceia intima, a que os ausentes do resto do anno, se pódem, veem assistir. Come-se e bebe-se. Toda a festa caseira no Minho se concretiza em uma boa refeição. Come-se e bebe-se alarvemente. É rara a casa onde não há uma indigestão. Arde no lar o cepo do Natal. Joga-se o rapa, digerem-se as rabanadas, bebe-se o vinho quente: e todos teem, no meio da sua alegria, um gesto de saudade para o mortos queridos “que Deus levou”.




RELIGIÃO E SUPERSTIÇÃO

Deus é para essa gente o pae supremo e bondôso, que a seu alvedrio dispõe dos fructos da terra e dirige as tormentas do céu. Tudo se fará “se Deus quiser.” A terra cança, o gado morre, a colheita é escassa… Paciência! Será o que Deus quizer! O espírito da mulher minhota volta-se acanhado para a Providencia, mesmo nos transes mais usuaes da vida. Por toda a parte, mórmente nos montes e outeiros, há capellinhas, nichos, ermidas, que a piedade dos fieis mantem através de ritos pagãos. É um culto ingénuo e grosseiro. É um culto natural. Os missionários aproveitam-no como entendem, e até procuram desorganisar a família quando o homem, mais independente ou mais prático, prefere o trabalho real do seu braço ao favor virtual da Divindade. De anno para anno, n’uma dada época, conforme as freguesias, as mulheres abandonam os seus trabalhos, põem de parte os seus deveres caseiros, as suas obrigações, os seus filhos mesmo, e lá vão para a egreja, contas na mão, especialmente as velhas, ouvir os bons dos missionários falar dos castigos de Deus, dos pedreiros-livres, do inferno, das virtudes da confissão, da supremacia universal da egreja. Ellas tremem, coitadas, porque são supersticiosamente crentes. Há tantos pecadores por esse mundo! O que será d’ellas quando a morte vier? No seu coração infantil aninha-se a intolerância e o temor. O Deus da vida, que perdôa, transforma-se no Deus da morte, que castiga. Afasta-se dos que amam a natureza e cantam e se divertem. Desfia os seus pecados, n’um plangente murmúrio, ajoelhada e com a saia a tapar-lhe a cara, junto á relha do confessionário. Mas, como no fundo do seu ser se não pôde dissipar de todo o apêgo às coisas do mundo e às venturas da terra, serve-lhe de allivio censurar os outros, repreender os outros, meter mêdo aos outros. O seu espírito conserva-se, todavia, sempre indeciso. N’essas consciências crepusculares tudo se emmaranha. Quem lhe dará conselhos? Só o padre, que representa Deus e conhece os segredos da “outra vida”. E o padre torna-se o juiz de todas as causas, procurador da Divindade. Nada se lhe deve negar, para que a vingança divina não flagele os casaes.


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Mas o clima impõe-se ainda, como as influencias ancestrais, e nunca a mulher da beira-mar atinge o grau de mysticismo em que por vezes cae a mulher sertaneja. Todavia é certo que, mesmo nas coisas profanas, um abafado capuz de superstição a oprime. Para a serrana, sobretudo, logo abaixo do padre está o curandeiro, ou melhor, a feiticeira. Toda a mulher minhota, com o avançar da edade, vae adquirindo farto cabedal de conhecimentos mágicos, résas, esconjuros, colheita e preparo de ervas milagreiras e de órgãos de animaes, com aplicação directa a moléstias e até a acidentes da vida. Para as lombrigas das creanças, já todos sabem que não há melhor remédio que um rosário de alhos. Livre-se alguém de passar por cima d’uma creança que gatinhe, porque a tolhe e o innocentinho não cresce. Por outro lado, creança que se veja a um espelho antes de começar a falar gaga fica, certamente. Ninguem mate um gato na sua propriedade, porque mette mizeria em casa.
A esteriladade cura-se esfregando-se a mulher pela pedra da fecundidade. E certos santos são agentes therapeuticos de primeira ordem. S Braz cura a garganta, S. Vicente as bexigas, Santo Amaro os males das pernas e dos braços, Santo Ovídio ou ouvidos, Santa Luzia os olhos. Quem resar um responso a Santo Antonio encontra o que perdeu. No dia 24 de Abril ninguém trabalhe. É dia de S. Pedro de Rates.
Se em alguma casa houver pessoa ou animal de esperanças e n’esse dia um membro da família trabalhar ou pegar em tesouras é certo que o que nascer virá, pelo menos, aleijado.
Assim, quando alguém adoece, as mulheres da casa, não se fiando em médicos, fazem as suas promessas a Nossa Senhora ou a qualquer santo da sua devoção, e votos ou romarias á Senhora da Penêda, á Senhora da Cabêça, á Senhora d’Agonia, ao Senhor do Allívio, a S. Torcato, etc. romarias e promessas que em geral cumprem nos dias das festas d’esses santos, para terem companhia e gosarem um pouco também.


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                                                             O VESTUÁRIO

Às romarias minhôtas, que de Janeiro a Setembro continuadamente se sucedem, môças e velhas levam as suas melhores roupas e as suas jóias. Os typos característicos da indumentária feminina tendem a desapparecêr, em vista da descentralização da vida social, das modificações introduzidas nos processos regionaes de tecelagem e fiação, da concorrência das indústrias e das facilidades de viação e transporte. A cultura do linho, que existe desde que Portugal é reino, vae em decadência, e teares domésticos, d’esse velho typo grego dos tempos de Penelope tecedeira, cedem o logar aos teares mecânicos e a essa machina de costura universalmente espalhada, que poupam tempo e trabalho e habituam ás modas as raparigas. Nas povoações pouco afastadas das sedes dos concelhos já as aldeãs se vestem á moda da villa ou da cidade. Mas os velhos apegam-se ainda ás antigas usanças e nas serras principalmente as tradições manteem-se. A serrana não deixou, pois, de usar o linho, mesmo nas suas phases mais grosseiras, que são a estopa e os tomentos. As faldas das camisas são por lá de estopa; o peito, as costas e os braços de linho mais fino para mais durar. Em saias usa-se também no Suajo ainda o linho, mas já são de algodão as camisolas e as baetas. Empregam-se grosseiras e pouco cuidadas na serra as roupas brancas, as ribeirinhas porém apreciam o luxo das camisas e das meias. Trazem estas nos grandes dias camisolas de linho branco, bordadas na gola, nas hombreiras e nos punhos, que põem á mostra sobre os vistosos colletes de casimira vermelha, apertados á frente por um cordão de siguilha e guarnecida de veludo preto com soutache e lantejoulas, ou missanga. Entre o collete e a saia refega-se a camisa, na cintura. Para outras bandas usam-se os colletes de riscado ou de cotim, tendendo a desapparecer os de linho bordado, de côres vistosas. Já passaram de moda, mesmo em Castro Laboreiro, as fachas de lã vermelha que, á laia das peitoraes gregas, sustentavam sob o colete os seios erectos. As meias são também de linho branco, feitas a agulha e entreabertas ou bordadas á frente. No auge do inverno as da Ribeira e em quasi todo o anno as da Serra usam as piucas, meias sem pés, em malha de lã, cobrindo a perna do joelho ao tornozelo. Há-as com peito-de-pé, á maneira de polainas, e com presilha ou cabrestilho. Os jalecos e os casacos agaloados, com filas de botões, usam-se por todo o Minho, além do littoral entre Montedor e o Neiva.


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Como sobrevivência dos antigos vestuários de lã trazem as mulheres e creanças castrenhas (de Castro Laboreiro) os bureis de rascadilho e o amantezado de lã e algodão. A lã tecida com a estopa produz a sirguilha de Lindoso e Suajo e a fraldilha da serra d’Arga. E todos esses bureis são tingidos em riscas longitudinaes, mas á medida que se vae descendo a serra para a beira-mar as côres multiplicam-se e o listrado mistura-se com o enxadrezado. As raparigas da Areosa (cujo costume é também adoptado nas freguesias das margens do Lima, entre Ponte do Lima e Vianna) usam saia ás riscas, de lã vermelha (na Afife e em Carreço á azul) com fios azues ou verdes, urdida com algodão branco. Tal saia é curta, graças a Deus, deixando vêr o tornezello e a meia, e ás vezes a curva d’uma linda perna. Tem o cós ás prégas e na fimbria uma larga barra de pano escarlate ou, se o fundo é azul, azul.
As castrenhas usam sobre a saia de panno escuro um avental typico, o sanguidalho, tendo o aspecto de um triangulo isósceles com o vértice para o pés. O avental, na serra pouco usado ou curto, vae crescendo e vae-se generalizando até o littoral; e é feito de chita grossa, agasalho, riscado, lã, e até de veludo nas villas e cidades. As da Areosa ostentam-no, de lã ou sirguilha, com barras enxaquetadas em côres alacres. Sobre o fundo, em prégas como o cós da saia, bordam-se a vermelho as iniciaes da possuidora, pentagramas ou hexagramas (signos de Salomão), cruzes, corações, ancoras, ou a palavra amôr, em grandes e carinhosas letras. Por cima do avental põe-se a algibeira, simples ou com lavores, de uma ou mais côres. É de estopa, burel, casimira, cotim, saragoça e até algodão, conforme os logares. Tem o corte de um coração. E na beira-mar vianneza guarnecem-se de lantejoulas e missanga e com os mesmos motivos do avental.
Como cobertura para a cabeça adoptam as ribeirinhas do Lima o lenço franjado, em fundo azul, ou ermelho, atado no alto e com as pontas caindo para os lados. Os mantéus estão em desuso, revivendo ainda na capa castrenha, sem mangas nem gola.


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                               JÓIAS E ADORNOS. OS CORAÇÕES

A minhôta abusa extraordinariamente das jóias e trá-las com ella, sempre que para isso se lhe offerece pretexto. O seu dote fica assim patente, sobre o seio creador, em volta do pescoço, pendente das orelhas, como n’um mostruário de ourivesaria. Traz de tudo: trabalhos em filigrana, laminados e granitados, contas de oiro, fios, gargantilhas, cruzes, borboletas, broches e medalhões. Nas orelhas, um, dois e mais pares de arrecadas, brincos, pingentes, argolas, brincos de fuso ou de campainhas, e argolas á rainha. As arrecadas, as mais antigas joias do Minho, circulares ou em crescente, são formadas de uma a varias lúnulas, achatadas, espiraladas, granuladas, foliáceas, rosáceas ou roliças. Os brincos á rainha são arrecadas annulares, em filigrana, com annexos superiores dispostos como borboletas. Os brincos de fuso são, como o seu nome indica, pingentes fusiformes, tendo a meia altura um annel granulado. As argolas são… argolas ôccas ou massiças, com travessão liso ou curvo. Como inovação há os brincos esmaltados. Para adornar o peito e o pescoço não faltam os grilhões massiços, os fios de contas esféricos ou ovaladas, os cordões de trança ou trancelins, as cadeias de grandes argolas, d’onde pendem crucifixos aureolados, relicários em urna ou com edílicos filigranados, imagens de casca de oiro, cruzes de malta, borboletas, medalhas com imagens esmaltadas, e os infalliveis corações.


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Na arte como na vida, o coração é o que a mulher minhôta mais aprecia. Não é apenas uma joia: é uma mania. A sanguidalha castrenha aproxima-se da fôrma de um coração. Desenha-se o coração em certas arrecadas; borda-se na barra das saias e nos linteus dos aventaes; estampa-se nas guarnições dos lenços que põem sobre os hombros e traçam ante o peito. Os chales que trazem as das villas, dobrados em diagonal e descaídos nas costas do que nos hombros, ainda vistos de traz se assemelham a corações. Algumas candeias e algumas rocas querem imitar corações. As algibeiras são corações. As pregadeiras são corações. As espadellas são corações. E os pesos dos teares corações são! Ai! o coração da minhota não tem socego. Com elle brinca, mas por elle sofre. As da serra, muito ariscas, trazem-no encolhido, apertado no peito, bem agasalhadinho no seu manteu. É um coração pequenino, que não sente o mundo, e todo se compraz no conchego do lar, entre a rôca onde se esfia a estopa, e o fuso, onde se enrola o fio. Coração de Penelope caseira. Por cá, pelo littoral, o coração é vasto como o vasto mar. Não cabe no peito. Sóbe á cabeça, desce ao avental. Coração de Vénus amorosa, saída das ondas do mar. Uma voz canta:
          Toma lá meu coração,
          Retalha-o em três pedaços…



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E o coração da ribeirinha anda retalhado, á mercê de Deus. Segue-lhe os caprichos, mas não o abandona nunca. Quer vê-lo, senti-lo, encontrá-lo em tudo o que toca, quando espadela o seu linho, quando borda o seu bragal, quando tece a sua teia, quando cose, quando fia, quando conta, quando ao lume scisma no que há de vir. Pelas estradas, ao entardecer religioso dos domingos campestres, os pares de conversados suspendem-se n’um doce enleio: ella, de cabeça inclinada, tenteando com os dedos a franja do avental, e elle, a distância de respeito, voltado para ella, apoiado ao varapau, sorrindo, com uma flôr na mão… Já o sol se vae sumindo, já as vidraças não reluzem, já o balar das ovelhas parece mais distante e dormente. Os pássaros recolhem aos ninhos. A branca estrada escurece. A crista dos montes esfuminha-se no céu. Hora profunda, indecisa… Profundo e indeciso amôr… Mal se ouve a voz cantar ao longe:
          Um que vá, outro que venha,
          Outro que siga os teus passos.

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Não te fiques assim parada, cachopinha. Regressa ao lar. Olha que o amôr tem settas. Diverte-te mas não te tentes. Repara na cruz que trazes no peito. Não é para rezar, pois não? É para enfeite… 
Ah! É? Ora a vaidosa!
          Tu dizes que não tens cruz
          Para resar o rosário…
Pois pensa bem no resto da cantiga:
          Casa-te minha menina,
          E terás cruz e calvário

João da Rocha

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