A Restauração da Independência de Portugal
«Em 1640, quando a burguesia e a aristocracia portuguesas,
descontentes com o domínio castelhano sobre Portugal que se propunha
efectivar o valido Olivares, terminando com a Monarquia Dual, quiseram
restaurar a dinastia portuguesa, foi ele o escolhido para encabeçar a
causa. Dom João aceitou a responsabilidade com relutância, diz a lenda
que incentivado sobretudo pela sua mulher Dona Luísa de Gusmão.
Este
facto ter-se-á devido à prudência que se impunha na escolha da
conjuntura favorável, e do tempo preparatório necessário para o efeito,
visto Portugal nessa época estar quase desarmado, e Castela ser ainda ao
tempo a maior potência militar na Europa. Dona Luísa de Gusmão, sendo
irmã do Duque de Medina Sidónia que sonhou revoltar-se com a Andaluzia
de que chegou a sonhar ser rei, estaria talvez influenciada por ele.
A nomeação do Duque para governador-geral das armas de Portugal veio a
ser o motor da revolta, propiciando-a. Nos fins de Junho de 1639 esteve
em Almada, sendo visitado por muitos nobres, desesperados alguns com as
violências do governo filipino. Entre eles, Pedro de Mendonça Furtado,
acima referido, Jorge de Melo (irmão do Monteiro-mor), D. Antão de
Almada e o velho D. Miguel de Almeida (da casa de Abrantes). O plano da
conjura teria sido então apresentado ao Duque: eles, e seus parentes e
amigos, aclamavam-no em Lisboa, apoderando-se do Paço, matando o
detestado Miguel de Vasconcelos. Mas o Duque recusou, pela consciência
de que «não havia ainda ocasião» e aconselhou prudência aos mais
exaltados.
No dia 1º de Julho, o Duque foi a Lisboa saudar a princesa
Margarida e teve calorosa recepção da parte da nobreza, dos membros do
clero e do povo.
Eram factores vivos de revolta a forçada presença de muitos nobres
portugueses em Madrid, e a novidade de um recrutamento de tropas
lusitanas para irem ajudar a reprimir a independência recentemente
declarada da Catalunha. Em Agosto de 1640, Filipe III de Portugal
pretendeu convocar Cortes nos seus outros reinos de Aragão e de
Valência, para aquietar o espírito dos catalães, ordenando que o
acompanhassem nessa jornada também fidalgos portugueses, sobretudo
aqueles que eram comendadores das ordens militares. «Todos compreenderam
que partindo para a Espanha iriam acelerar o processo de absorção
política que o conde-duque de Olivares pretendia», segundo Veríssimo
Serrão, e «na recusa de muitos em cumprir o mandado régio terá de ver-se
o detonador do movimento que veio a estalar em 1º de Dezembro
seguinte.»
Houve então uma reunião em 12 de Outubro em casa de D. Antão de Almada.
Mendonça Furtado foi a Évora, sondar o Francisco de Melo, marquês de
Ferreira, também ele um Bragança, e outros nobres, e depois a Vila
Viçosa, onde não escondeu ao Duque a urgência dos conjurados em lançarem
o movimento.
Para a aceitação de Dom João teriam contribuído António
Pais Viegas e a duquesa D. Luísa que, segundo a tradição romântica
tardia, «de maneira varonil, quebrara os receios do marido ao afirmar
que antes queria morrer reinando do que acabar servindo.»
A 1 de Dezembro deu-se o golpe palaciano e, em 15 de Dezembro foi aclamado Rei de Portugal.
Reuniões secretas
Depois da conversa definitiva com o Duque de Bragança, os
conspiradores reuniram-se várias vezes em Lisboa para combinarem como e
quando haviam de fazer a revolução.
Essas reuniões tinham de ser feitas às escondidas para que não chegassem
aos ouvidos da regente Duquesa de Mântua e do secretário de Estado
Miguel de Vasconcelos. Se a notícia se espalhasse, seriam acusados de
traição e condenados à morte.
Mas, mesmo que não conseguissem provas para os incriminar, qualquer
rumor acerca do que se preparava teria efeitos desastrosos porque os
soldados castelhanos de guarnição em Lisboa ficariam em estado de
alerta, eliminando-se o efeito surpresa. Todo o cuidado era pouco.
As reuniões realizaram-se em 3 sítios: no palácio de Jorge de Melo, em
Xabregas, no Palácio dos Duques de Bragança em Lisboa, no Chiado, e no
Palácio Almada, de D. Antão de Almada, no Rossio (hoje mais chamado
Palácio da Independência por essa razão). Para não levantar muitas
suspeitas os conspiradores nunca iam juntos e cada um seguia no seu
coche com as cortinas corridas. A conspiração ia-se assim realizando…
Aclamação de D. João IV como Rei de Portugal
Fonte coeva fundamental sobre o assunto é o volume I da História de
Portugal Restaurado da autoria do Conde da Ericeira, republicada
modernamente no Porto em edição anotada e prefaciada por António Álvaro
Dória, em 1945.
Narra a tradição que D. Filipa de Vilhena, futura marquesa de Atouguia,
armou cavaleiros na véspera da conjura, a fim de nela poderem
participar, a seus filhos D. Francisco Coutinho e D. Jerónimo de Ataíde.
O mesmo dizem ter feito outra intrépida fidalga, Dona Mariana de
Lencastre, armando cavaleiros pela mesma altura aos seus dois filhos
Fernão Teles de Menezes, futuro primeiro conde de Vilar Maior, e António
Teles da Silva, futuro governador-geral do Brasil.
É costume afirmar que Miguel de Vasconcelos não soube da revolta, pelo
que não tomou providências. Mas está provado, diz o historiador Joaquim
Veríssimo Serrão, que lhe chegaram anteriormente rumores da conjura e
que na véspera recebeu uma carta, que por descuido não abriu, com o nome
dos conjurados.
O número de fidalgos intervenientes no Primeiro de Dezembro é geralmente
dito de quarenta, talvez por arrastamento mental do ano da revolução,
afirmando no entanto alguns autores que foram em maior número do que
esse.
No dia 1º de Dezembro, de manhã muito cedo, dirigiram-se os fidalgos e
os seus criados, todos bem armados, ao Paço da Ribeira,
aonde rompendo
por ele dentro, entraram nos aposentos da princesa regente, a
vice-rainha Margarida Gonzaga, duquesa viúva de Mântua, prima do rei
Habsburgo, que facilmente dominaram,
passando a procurar então a Miguel
de Vasconcelos, o português traidor secretário de Estado,
aliado do
valido castelhano Olivares no seu recente projecto de anexação de
Portugal e outros reinos a Castela, no quadro de uma centralização à
francesa, inspirada no modelo de Richelieu, que desejava aplicar à
multifacetada monarquia hispânica filipina em bloco.
O principal comando da operação parece ter estado nas mãos de D. Miguel
de Almeida, futuro conde de Abrantes, de Jorge de Melo, irmão do
Monteiro-mor, de D. Antão de Almada, que veio a ser o primeiro
embaixador em Londres, e de João Pinto Ribeiro, agente do duque de
Bragança em Lisboa. Após eles, outros fidalgos – todos filhos segundos –
como D. João da Costa, D. Gastão Coutinho, João Saldanha da Gama,
Manuel de Melo, os dois referidos irmãos António Teles da Silva e Fernão
Teles de Meneses, D. António Mascarenhas e outros.
Esta delegação da
responsabilidade da insurreição nos filhos segundos das casas fidalgas, a
exemplo do que em outras várias ocasiões sucedeu na História de
Portugal até ao século XIX, permitia manter a salvo de consequências
maiores e mais graves as mesmas, se a insurreição viesse a falhar,
permanecendo oficialmente os chefes de casa fiéis à ordem reinante, e
ignorantes da conspiração da juventude.
Naquele tempo as notícias viajavam por mensageiros e portanto demoravam a
chegar ao destino. O Duque de Bragança aguardava no Palácio de Vila
Viçosa o resultado da conspiração e, segundo os documentos da época, só
soube a boa-nova no dia 3. Muitos outros mensageiros espalharam-se por
todo o país a cavalo, levando consigo cartas para as autoridades de cada
terra se encarregarem de aclamar o novo rei. A aclamação em todo o
território português fez-se pacifica e alegremente, desde Bragança ao
Algarve, desde o Minho à Madeira, de Lisboa a Macau, passando pelo
Brasil, África e Índia: excepto na cidade de Ceuta, que dependia
excessivamente por então do suporte militar e alimentar por parte da sua
vizinha Castela, a quem continuou ligada. Por todo o lado as populações
explodiam de felicidade.
Logo se escolheram os governadores provisórios do Reino, durante os
poucos dias que decorreriam até à chegada de D. João à sua capital: D.
Rodrigo da Cunha, arcebispo de Lisboa, D. Sebastião de Matos de Noronha,
arcebispo de Braga, e o visconde de Vila Nova de Cerveira D. Lourenço
de Lima, os quais deram ordem para os tribunais continuarem no exercício
de funções, pois estava garantido o sossego da cidade.
D. João IV chegou a Lisboa na noite de 6 de Dezembro. Nos dias seguintes
houve festejos, procissões e iluminações públicas. Enquanto se
preparava a cerimónia da aclamação, o rei ocupava-se a nomear
embaixadores, que deveriam partir a fim de que os países estrangeiros
reconhecessem a alteração dinástica em Portugal, e generais, que deviam
encarregar-se da defesa das fronteiras e dos portos. Ninguém tinha
dúvidas que o tirano destronado Filipe III, e sobretudo o seu valido
castelhano Olivares, não iriam cruzar os braços. Decerto este trataria
de preparar exércitos para invadir Portugal. A notícia da aclamação da
casa de Bragança chegou a Madrid a 7 de Dezembro, levada por um estafeta
castelhano ao serviço do governador de Badajoz. Como era de prever, os
castelhanos acusaram de traição não só ao Duque de Bragança mas a todos
os que tinham participado no movimento palaciano. No entanto, as tropas
castelhanas não marcharam logo para a fronteira portuguesa porque
estavam demasiado ocupadas e dispersas nos teatros da Guerra dos Trinta
Anos, e nomeadamente com a revolta da Catalunha suportada militarmente
pela França de Richelieu, o que deu tempo aos portugueses para se
organizarem na defesa.
No dia 15 de Dezembro de 1640, foi alçado e aclamado solenemente em
Lisboa D. João IV. A cerimónia decorreu num grande teatro de madeira
armada, revestido de preciosos panejamentos, contíguo à engalanada
varanda do Paço da Ribeira, e com ela comunicante. Varanda pela qual
saiu o novo rei em complicado e demorado cerimonial hierárquico para o
Terreiro defronte aonde, diante da Nobreza, do Clero e do Povo de
Portugal, jurou manter, respeitar, e fazer cumprir os tradicionais
foros, liberdades e garantias dos Portugueses, violados pelo seu
antecessor estrangeiro.
Esteve o monarca rodeado dos mais altos oficiais-mores da corte
portuguesa, fidalgos que em geral manteve nos cargos e dignidades
áulicas que já exerciam anteriormente: o camareiro-mor João Rodrigues de
Sá, o Condestável D. Francisco de Melo, marquês de Ferreira, o
alferes-mor Fernão Teles de Meneses, 1º conde de Vilar Maior, o
mordomo-mor D. D. Manrique da Silva, futuro primeiro marquês de Gouveia,
o reposteiro-mor Bernardim de Távora e o guarda-mor Pedro de Mendonça
Furtado. A oração de praxe da aclamação, documento político -jurídico
enunciando os direitos esbulhados da casa de Bragança ao trono português
nesse dia restaurados, coube a um notável jurista que se destacaria
depois também como diplomata, o Dr. Francisco de Andrade Leitão. E
depois do alferes-mor entoar em uníssono com todos os presentes, em alta
voz, o triplo brado tradicional, Real, Real, por El-Rei Dom João de
Portugal, o Conde de Cantanhede, presidente do Senado da Câmara de
Lisboa, fez entrega ao rei das chaves da cidade, tendo então início o
solene cortejo que processionalmente se dirigiu] rumo à Sé, aonde foi
celebrado um solene Te Deum de graças.
É também de frisar que D. João IV, no acto da sua coroação, Coroou Rainha de Portugal a Nossa Senhora da Conceição, colocando-LHE aos pés a Corôa de Rainha, e que , a partir desse momento , ficou Estabelecida como Padroeira de Portugal. Esta acção repercutiu-se até hoje, na Devoção dos Portugueses á Nossa Senhora, patente no número largo de orações e cânticos que evocam Nossa Senhora e Portugal como pares .
A Guerra da Restauração
Formatura no Terreiro do Paço
(não encontrei o autôr)
Após a Restauração, o problema militar era primordial. Um decreto de
11 de dezembro de 1640 instituiu o Conselho de Guerra formado por 10
membros com experiência militar: o conde de Óbidos, Matias de
Albuquerque, D. Francisco de Faro, D. Gastão Coutinho, João Pereira
Corte-Real, D. Álvaro de Abranches, Jorge de Melo, Fernão da Silveira,
D. Jorge de Meneses e Vasco Fernandes César.
Uma parte da nobreza e alguns prelados se mostraram hostis, e em Madrid
assim que a «rebelião» do duque de Bragança foi conhecida, foi
considerado traidor, versão que a diplomacia filipina espalhou nas
capitais europeias. Os que viviam em Madrid recusaram a oferta de
regresso e de perdão do monarca, «na inveja senhorial que mantinham pela
casa de Bragança», segundo Veríssimo Serrão. Houve assim grave cisão no
corpo da nobreza, que se confirma pelas tensas e lembranças concedidas
desde 1641, e «a limpeza no tecido social alterou em muitas famílias o
quadro da sucessão patrimonial, havendo muitos nobres que pagaram com o
definitivo exílio o seu desamor ou falta de confiança na Restauração».
Houve mesmo tentativa de assassinar D. João IV e no «Rossio, a 29 de
Agosto de 1641, pagaram os riscos da conspiração o marquês de Vila Real,
o duque de Caminha, o conde de Armamar e D. Agostinho Manuel, assim
como o doutor Belchior da Fonseca, Cristóvão Cogominho, guarda-mor da
Torre do Tombo, Pedro de Baeça», alguns mercadores, e outros mais. «A
sentença puniu os crimes de lesa-pátria e lesa-majestade, pelo que o
silêncio foi tido por encobrimento.»
Seguiu-se uma guerra com Espanha na Península e nas colónias, onde
Portugal foi assistido pela Inglaterra, França e Suécia (adversários dos
espanhóis na guerra dos trinta anos). Pese embora a conjura de 1641
contra o novo rei, da qual resultou uma severa punição para os seus
responsáveis, D. João IV teve o apoio da grande maioria da sociedade
portuguesa, o que lhe permitiu criar novos impostos, desvalorizar a
moeda e recrutar voluntários para fazer face às necessidades monetárias e
humanas de um confronto militar que se adivinhava próximo com a vizinha
Espanha.
D. João IV enviou também diplomatas às principais cortes europeias com o
objectivo de conseguir o reconhecimento da independência e de obter
apoios financeiros e militares. Sendo necessário justificar que D. João
IV não era um rebelde mas sim o legítimo herdeiro do trono, que havia
sido usurpado por Filipe II de Espanha. D. João IV assume-se como o
herdeiro de Catarina de Bragança, candidata ao trono e afastada por
Filipe II em 1580.
Das Cortes de 1641 saiu uma nova doutrina que defendia que o poder
provinha de Deus através do povo, que, por sua vez, o transferia para o
rei. Em caso de usurpação ou tirania, o povo tinha o poder de destituir o
rei, precisamente o que aconteceu com Filipe IV.
Campanhas Militares
Em 1641 verificaram-se também os primeiros confrontos. O Alentejo era
visado, como parte mais vulnerável do Reino e principal domínio da Casa
de Bragança, além de porta natural da foz do Tejo.
Batalha das Linhas de Elvas, 14 de Janeiro de 1659 (pormenor),
Pintura do século XVII
O conde de Vimioso
concentrou em Elvas os meios de defesa mas, tendo-se fortalecido em
Badajoz, o conde de Monterrey atacou Campo Maior e Olivença. Vimioso foi
substituído por um militar com experiência ultramarina, Matias de
Albuquerque, que providenciou a defesa das praças, do Marvão a Serpa.
Em 1642 houve ataque ao sotavento algarvio, Alcoutim e Castro Marim, mas
o perigo foi conjurado. Na Beira Alta e no Alto Minho houve apenas
escaramuças. Na primavera de 1644 os espanhóis concentraram seu poderio
em Badajoz, e a primeira grande vitória do exército português deu-se em
26 de Maio na Batalha do Montijo, além de uma tentativa fracassada dos
espanhóis no cerco de Elvas. Montijo revigorou o ideal da Restauração, e
Matias de Albuquerque recebeu o título de conde de Alegrete.
A Espanha estava fortemente mergulhada na Guerra dos Trinta Anos, «a
cuja paz a nação vizinha aspirava para poder lançar seu peso militar
contra Portugal», pelo que foi preciso esperar pelo fim da guerra entre
franceses e espanhóis, em 1659, para que os espanhóis pudessem
concentrar todas as suas atenções na anulação da Restauração portuguesa.
Os anos até 1656 foram salvadores para Portugal, ajudando a coroa a
empreender o grande esforço militar e financeiro para assegurar o
triunfo. ...» (texto retirado do blogue da amiga , grande Portuguêsa e Pintôra Gabriela Marques da Costa )
A intensidade da luta armada aumentou, consideravelmente, na
década de 1660, mercê do fim da Guerra dos Trinta Anos (1659).
Sucedia
que, nessa época, o exército português estava melhor preparado e
equipado, em resultado de apoios franceses e alemães e da contratação de
experientes mercenários
estrangeiros.
Nestas condições, Portugal conseguiu virar o curso da
guerra a seu favor, situação que se consolidaria após a
batalha de Montes Claros (1665).
Nesse mesmo ano morreu Filipe IV, o último rei da dinastia que governou Portugal de 1580 a 1640, pelo que ficou eliminado mais um obstáculo ao entendimento
definitivo. Firmada a paz em 1668, a Espanha reconheceu finalmente a Independência de Portugal .
Nota importante : Os autôres de tôdas belíssimas Ilustrações aqui apresentadas , estão mencionados no excelente blogue o Gato Alfarrabista na Sua Loja de Papel
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