Dia 10 de Junho de 2016
Dedicado com Amôr , Ao Santo Anjo de Portugal , o Amado São Miguel Arcanjo!
Sem mais nem aquelas, reproduzo aqui um Excelente e Completíssimo texto do
Professôr Victor Manuel Adrião, um texto no qual se faz sentir o seu Amôr a Portugal e ao seu Santo Anjo Custódio .(clicar)
« O Anjo Custódio de Portugal (memória cultual)
Sintra, 13.11.2013
A tradição do culto ao Anjo Custódio, ou
no mínimo o costume de invocar o seu nome, surge em Portugal ainda este
não era nação fundada, havendo ecos do mesmo mas sob a expressão de
Arcanjo São Miguel “protector dos portucalenses” condava ainda o Conde
D. Henrique, pai do nosso primeiro rei, em Santa Maria de Bouro, em
Amares no distrito de Braga, no cimo de cujo outeiro o cavaleiro Pelágio
Amares, das hostes do conde, fundaria a capela consagrada a São Miguel
nos fins do século XI, culto angeológico prosseguido a partir de 1148 no
mosteiro próximo, primeiro benditino e depois cisterciense, de Santa
Maria e São Miguel de Bouro (1), ainda que a
ocupação local por anteriores eremitas cristãos faça recuar o culto do
Arcanjo ao ano 500 d. C., segundo a sua história miraculada, nas pessoas
dos ermitãos, mais lendários e simbólicos que outra coisa, São
Maurício, falecido no ano 527, e São Deolo, morto em 562.
Cerca de 1109 nasceu o infante Afonso
Henriques, futuro primeiro rei de Portugal, e os seus pais, D. Henrique e
Dona Teresa, sobretudo o progenitor talvez adivinhando o futuro
auspicioso do filho, fizeram com que fosse consagrado ao Arcanjo
“protector dos portucalenses” na hora de receber o sacramento do batismo
pela mão do arcebispo S. Geraldo, na igreja de São Miguel do Castelo de
Guimarães, que ainda lá está a pia batismal como pretende a versão
romântica do século XIX. Possivelmente esse templo faria parte do
primitivo complexo palatino de Dona Mumadona Dias, na viragem do século
IX para o X, e teria permanecido como principal templo da Guimarães
condal no tempo de D. Henrique de Borgonha, mas muito provavelmente já
não sendo aquele que ainda hoje se vê datado do século XIII, de traça
românica tardia preanunciando em alguns aspectos a ascensão do gótico (2).
Com efeito, ele foi mandado construir pela Colegiada de Nossa Senhora
da Oliveira, a mais antiga do país, sendo em 1239 sagrado pelo primaz de
Braga, Silvestre Godinho (3), sempre com a preocupação
sagrada de que a Virgem Maria estivesse disposta em igualdade como par
angeológico do primeiro Arcanjo dos Céus, aos quais Portugal seria
consagrado.
Portanto, D. Afonso Henriques foi
consagrado ao Arcanjo São Miguel parecendo até que os lances principais
da sua vida parecem reproduzir na Terra o que aquele será e fará nos
Céus. O primeiro desses lances será o de ter armado a si próprio
cavaleiro em 1125, acabado de fazer 17 anos de idade, na catedral de
Zamora no dia de Pentecostes, acto só praticado pelos reis num gesto
claramente político, ainda assim como se não houvesse autoridade maior
na Terra capaz de o investir e nada existisse antes dele como linhagem
real reconhecida do país autónomo e independente, nisto sendo verdade
posto ser o progenitor de pátria em formação da qual passou a ser Rex a
partir de 1139, ano da batalha de Ourique (25 de Julho), mas só
reconhecido como tal pela Santa Sé em 1179, pela bula de 23 de Maio, Manifestis probatum, emitida pelo Papa Alexandre III.
Essas iniciativas de D. Afonso Henriques
mais que políticas parecem sobretudo ajustar-se a um propósito
transcendente conformado ao simbolismo vivo de Melki-Tsedek, consignado “Rei do Mundo” pela exegética do conhecimento tradicional, em certa medida identificado ao Arcanjo Miguel ou Mikael,
patrono da Igreja e da Sinagoga, por via dos seus atributos
iconográficos da espada da Lei e a balança da Justiça, prerrogativas
reais, sobre o que diz René Guénon (4):
“Deve notar-se que a expressão ‘Rei do
Mundo’, bem como a de ‘Rei da Justiça’, referem-se directamente ao Poder
Real. Se agora tomarmos o nome de Melki-Tsedek no seu sentido
mais rigoroso, os atributos próprios do ‘Rei da Justiça’ são a balança e
a espada; e estes atributos são também os de Mikael, considerado como ‘Anjo do Julgamento’ (5).
Esses dois emblemas representam respectivamente, na ordem social, as
duas funções, administrativa e militar, que pertencem como atributo
particular aos Kshatriyas (6) e são os elementos
constitutivos do Poder Real. São também, hieroglificamente, os dois
caracteres formando a raiz hebraica e árabe Haq, que significa
simultaneamente ‘Justiça’ e ‘Verdade’ e que, entre vários povos antigos,
tem servido precisamente para designar a Realeza.”
Noutra parte da mesma obra, adianta o autor:
“O vocábulo Metraton comporta
todas as acepções de Guarda, de Senhor, de Enviado, de Mediador; é o
autor da Teofonias no Mundo sensível; é o ‘Anjo da Face’ e também o
‘Príncipe do Mundo’ (Sâr Ha-Olâm), e por esta última designação
vê-se que não nos afastámos nada do nosso tema. Para empregar o
simbolismo tradicional, diremos que tal como o Chefe da Hierarquia
Iniciática é o ‘Pólo Terrestre’ (7), assim Metraton é o ‘Pólo Celeste’. E este reflecte-se naquele, com o qual está em relação directa, seguindo o ‘Eixo do Mundo’.
“O seu nome é Mikael, o Grande Sacerdote, que é holocausto e oferta a Deus. O Grande Pontífice neste Mundo simboliza Mikael, Príncipe da Clemência. Em todas as passagens onde a Escritura fala da aparição de Mikael, trata-se da Glória da Shekinah (8). Por outro lado, Metraton não tem apenas o aspecto da Clemência, tem também o da Justiça. Não é somente o ‘Grande Sacerdote’ (Koen Ha-Gadol), mas igualmente o ‘Grande Príncipe’ (Sâr Ha-Gadol)
e o ‘Chefe das Milícias Celestes’, quer dizer, está nele o princípio do
Poder Real, bem como o do Poder Sacerdotal ou Pontifical a que
corresponde, propriamente, a função de ‘Mediador’.
“Além disso, é preciso notar que Melek, ‘Rei’, e Maleak, ‘Anjo’ ou ‘Enviado’, na realidade não são senão duas formas de uma mesma palavra; para mais, Malaki, ‘Meu enviado’ (isto é, o enviado de Deus ou ‘o Anjo no qual é Deus’, Maleak Ha-Elohim), é o anagrama de Mikael (9).”
Sendo o primeiro de todos os Arcanjos a ponto de se confundir com a Divindade Absoluta, a Mikael ou Mirrail os hebreus e os muçulmanos apodam-no de “Anjo no qual é Deus” (Maleak Ha-Elohim e Manka-Allah), motivo para os latinos darem a Michaelis ou Miguel a exclamação de espanto: Quis ut Deus, “Quem é Deus”. Nesta linha de pensamento, o Professor Henrique José de Souza (1883-1963), fundador da Sociedade Teosófica Brasileira, recorrendo à filologia hebraica e árabe para traduzir o sentido esotérico do nome deste Arcanjo, escreveu (10):
“Mankaallah (Man-Ka-Allah) = Tu és igual a Deus!
Mankaallan = Mi-Ka-El, Miguel.
Mahakala = Shiva, o Espírito Santo, o Terceiro Logos, o Mundo Terrestre.
Al-Djabal = Todo-Poderoso, Veste Deífica de Mikael, o Elohim (Espírito) de Eloha (Mónada).
Mikael criador de Mahiman, o Gladiator de Deus. Mistérios da Obra do Eterno.”
Mikael ou Miguel é o Príncipe dos Arcanjos e o mais próximo de Deus – Quis ut Deus.
É invocado para a coragem, a defesa forte e a protecção divina.
Iconograficamente, é representado revestido de couraça e capacete
apresentando-se armado de espada flamejante e escudo. É o destruidor da
idolatria. Disputou com Satan o corpo de Mosés no Monte Sinai. É o
Arcanjo que proclama a Unidade de Deus. A Ciência Teúrgica dá-lhe por
planeta de afinidade o Sol (na Terra), correspondendo ao domingo (Dominicus, Soledie), cuja cor natural é o laranja e as formas geometricas de manifestação o quadrado e o hexaedro. No Psaltério salvífico, a sua Força e Guarda é invocada no Salmo 111 (“Bem-aventurado o homem que teme o Senhor…”).
Bafejado pela Força do Capitão de Deus, encomiando pela mediação dele a sua alma ao Divino, invocando para si, os seus e a nação que criava a protecção e fortaleza dos Céus, D. Afonso Henriques desde a primeira hora aclamou a função sagrada de São Miguel como Anjo da Guarda dos portucalenses dando sortes às suas armas arrancando vitórias nas horas críticas em que só se adivinhavam derrotas. Assim foi aquando da tomada de Santarém aos mouros, onde no mais aceso da batalha o rei viu aparecer o braço de São Miguel empunhando a espada por cima das forças cristãs e dar a vitória impossível a estas, na hora em que a derrota se avizinhava por desvantagem numérica (11).
A milagrosa vitória escalabitana de D. Afonso Henriques serviu de pretexto para fundar nesta cidade de Santarém a Ordem de São Miguel da Ala (da Asa ou Asinha), que é a Ordem de Cavalaria mais antiga de Portugal e das mais antigas do Mundo (12).
Coadjuvaram o rei na fundação da Ordem, dentre outros, D. Egas Moniz,
D. Pedro Afonso, D. Gonçalo Gonçalves, D. Pedro Paes, D. Gonçalo de
Sousa, D. Lourenço Viegas e D. Fuas Roupinho. Instituída no dia 8 de
Maio de 1171, os seus cavaleiros observavam a Regra de São Bento por
suas intimidades com a Ordem de Cister (13), e em 14 de Janeiro de 1177 o Papa Alexandre III reconheceu por breve ou bula a Ordo Equitum S. Michaelis Sive de Ala (Ordem de Cavalaria de S. Miguel da Ala), transcrita e editada pelo abade Ascanio Tamburini (14).
O Arcanjo São Miguel ficou assim, desde o
conde D. Henrique mas pela mão do seu filho Afonso Henriques, como
padroeiro protector do condado depois país, inclusive com Ordem militar
mas também religiosa consagrada ao seu culto tutelar, em guisa de cópia
terreal da Milícia Celeste, acontecimento primaz no mundo da época,
muito mais sob patrocínio régio igualmente mostrando preocupação em
expressar ao Rei dos Céus. Desde aí que a devoção e o culto a São Miguel
Arcanjo como Custódio de Portugal propagou-se para e com a recuperação
dos territórios cristãos lusitanos, sobre o que diz Jorge Cardoso (15):
“São Miguel Arcanjo. Foi sempre conhecido
dos Portugueses por Anjo Custódio deste Reino, depois que o invicto Rei
D. Afonso Henriques venceu com o seu patrocínio a Albaraque nos campos
de Santarém; e por isso lhe erigiu copiosas Capelas, assim na Igreja de
Alcáçova da dita Vila, como nos Mosteiros de Santa Cruz de Coimbra e
Santa Maria de Alcobaça, onde as suas santas Imagens são veneradas, e
milagrosas.”
Tão grande devoção a São Miguel Arcanjo
Custódio de Portugal teve-a igualmente o rei D. Manuel I, que inclusive
encetou conversações junto da Santa Sé para tratar da beatificação do
seu antecessor D. Afonso Henriques, as quais resultaram infrutíferas
arrastando-se esse processo até hoje. Sobre isto, diz António de
Vasconcelos (16):
“E entre razões que me moveram a tomar
esta empresa tão dificultosa, que requeria engenho e língua mais
Angélica que humana, foi a particular devoção que o Reino de Portugal
professou ao Anjo da sua Guarda, porque já o felicíssimo Rei D. Manuel,
em quem a grandeza do ânimo competia com a piedade do culto divino,
movido com afecto de devoção e obrigado com muitos benefícios, impetrou
do Sumo Pontífice um Breve, para que em todo o seu Reino se fizesse a
festa ao Anjo da Guarda de Portugal no terceiro Domingo de Julho, com
procissão solene, missa e ofício particular, que no Arcebispado de
Lisboa e em outros se compuseram. E estando ainda o Reino de Portugal no
berço da sua criação, já el-Rei D. Afonso Henriques experimentava os
particulares favores e ajudas do Anjo da sua Guarda e do Arcanjo S.
Miguel, dos quais foi em grande maneira devoto. Porque no ano de 1181,
sendo já bom Rei de 86 anos muito gasto no exercício das armas, e
maltratado de uma perna que quebrou em Badajoz, por cuja ocasião caíra
do cavalo, e também por certa obrigação em que estava el-Rei D. Fernando
de Castela, seu genro, Alboiaque, Rei de Sevilha, veio sobre Santarém
com poderoso exército formado em toda a Andaluzia, e para o receber
ajuntou el-Rei D. Afonso a sua gente, que para tão grande número, como o
bárbaro trazia, era bem desigual, o que foi bem considerado por el-Rei,
como homem prático na guerra, porém muito pio e afectuoso para as
coisas do Céu: determinou pedir de lá o principal socorro, e ajuda, em
que mais se estribava que na do exército de seus vassalos. Na noite
antes do dia em que determinava dar batalha, recolheu-se em oração,
gastando a maior parte dela com Deus, como em semelhantes apertos
costumava, e particularmente se encomendou com grande afecto e confiança
ao Anjo da sua Guarda, e ao Arcanjo S. Miguel, metendo-lhe nas mãos a
empresa que diante tinha, e pedindo-lhe para ela socorro e ajuda,
valendo-se para isso dos exemplos da Escritura, em que os santos Anjos
deram gloriosas vitórias aos seus devotos; e animado com a confiança e
esperança que neles tinha, saiu aos Mouros em seu carro, como costumava,
depois que lhe sucedeu o desastre da perna: posta a gente em ordem de
batalha campal, rompeu o Alboiaque, ferindo e matando a muitos, e
metendo os mais em fuga, os quais deixaram no arraial um grande e
riquíssimo depósito. É certo que no fervor da batalha foi visto junto
del-Rei um braço com uma asa, que o acompanhava por todas as partes a
quem ele acometia, e fazia tão grande estrago nos inimigos que logo
parecia força de braço Angélico mais que humano. Em memória de tão
assinalada mercê, instituiu el-Rei D. Afonso Henriques a Cavalaria da
Ala, cuja insígnia era uma Asa vermelha em campo branco cercada de ouro,
a qual com o tempo se foi extinguindo com outras muitas coisas. Além
destas razões, não é a menor saber o grande afecto de devoção com que o
nosso muito santo Padre Paulo V mandou fazer, não há muito tempo, ofício
e missa particular para celebrar a festa dos Anjos da Guarda na Igreja
no primeiro dia do mês de Outubro.”
Sobre tudo o dito, já tive oportunidade de escrever numa outra obra (17) que aqui transcrevo em guisa de resumo:
“Dentre os 4 Arcanjos principais –
Miguel, Gabriel, Rafael, Anjo Custódio – dispostos nos 4 Mundos da
Kaballah – Atziluth, Briah, Yetzirah, Assiah – o “mais elevado”, ou
seja, Miguel como arquétipo, manifesta-se pelo “menos elevado”, o Anjo
Custódio seu protótipo, por sua vez arquétipo de toda a Terra como
primaz desta em lugar cimeiro, fonte terreal de toda a Luz, que é dizer,
a Lusitânia.
“Foi por inspiração Bernardina que D. Afonso Henriques fundou em Santarém a Ordem de São Miguel da Ala (ou da Asa),
após a tomada da cidade aos mouros em 1171. Diz a lenda de fundação que
como reconhecimento do Céu, durante o ardor da luta em volta do
estandarte real e a pelejar pelo rei, brandindo a sua espada apareceu o
braço alado de São Miguel Arcanjo, de quem D. Afonso Henriques era muito
devoto cujo auxílio invocara antes da batalha, e por isso após a
vitória cristã ele instituiu a Ordem de São Miguel da Ala pelo documento Constituitiones Militiuns S. Michaekis Sive de Ala. Após, o Papa Alexandre III, por bula de 14/1/1177, reconheceu a Ordem Equitum S. Michaelis Sive de Ala, que se manteve por largos séculos e enquanto durou a Ordem do Templo serviu de medianeira entre ela e a Coroa de Portugal.
“Os atributos de São Miguel ou Mikael (“O Primeiro no qual é Deus”, e também “Quem é Deus”) são os mesmos de Melki-Tsedek, a balança e a espada, como distintivos do Rei de Justiça (Lex) e Senhor de Salém (Pax), aquele modelo de Deus, este émulo de Deus (Quis ut Deus).
“A manifestação de Mikael assinala sempre a glória da Shekinah, a Grande Paz e Luz do Messias, o que se representa na Árvore Sephirótica da Kaballah pela décima sephiroth (esfera): Malkuth, com o significado de o “Reino” (Melki) e o “Justo” (Tsedek).
“A Shekinah, “Presença Real de Deus”, representa-se sephiroticamente por Sandalphon, raiz da Árvore da Vida e do Saber (Otz Chaim) cuja copa é Metraton, ambos o mesmíssimo Mikael
como Guardião dos homens e das almas, dos vivos e dos mortos, o mesmo
que aparece no início e no final da Manifestação Divina e Humana a qual é
representada por Malkuth, cujo Nome Divino é Adonai-Ha-Aretz, “Rei e Senhor da Terra”.
“O primeiro tratado cabalístico aparecido na Península Ibérica referente a este assunto, Kether-Malkuth, consagrado ao Altíssimo Adonai e sendo parte integrante do Fons Vitae
pertencente ao espólio literário do Mosteiro de Alcobaça, logo,
certamente do conhecimento dos templários mais ilustrados, foi escrito
pelo primeiro judeu filósofo da Hispânia no século XI, Salomão Ibn
Gabirol. Este Avicebrão dos latinos, natural de Málaga, veio a
radicar-se em Portugal onde faleceu em 1070.
“O culto ao Anjo Custódio de Portugal foi
celebrado com toda a pompa e devoção desde muito cedo em todo o país,
mormente na região saloia do Termo. Segundo António de Vasconcelos e
como já disse, D. Afonso Henriques, na conquista de Santarém, invocou
São Miguel Arcanjo, tendo aí instituído a Ordem de São Miguel da Ala,
cuja insígnia é uma asa vermelha em campo branco, cercado a ouro. A
devoção ao Arcanjo cresceu de tal modo que D. Manuel I o invocava como
“nosso anjo guardador”, tendo-se antecipado ao movimento do culto em
Espanha. Com efeito, D. Manuel solicitou (6/6/1504) do Papa Leão X a
instituição do Anjo Custódio de Portugal, a celebrar no 3.º domingo de
Julho, dando aso a uma tradição que ainda se mantém. Anteriormente
(1480), ao fundir num só vários ofícios litúrgicos, o prior de Odivelas,
Fr. António Castanheira, já encontrara o ofício do Anjo Custódio, pelo
que o gesto de D. Manuel corresponde a um sancionamento de uma tendência
cultual anterior, de raiz judaica (pois que Mikael é o Orago da
Sinagoga), depois incorporada nas Ordenações Manuelinas (Liv. I,
tit. 78), onde se determinam os actos da festa: procissão solene, missa e
ofício particular em Lisboa e noutras terras (18).
“De maneira que o culto a Mikael ou Metraton está profundamente enraizado tanto no catecismo popular da Torah como no esoterismo judaico da Kaballah,
esta que significa tanto Tradição como Conhecimento. Na Sinagoga Ele
ocupa o “Lugar do Altíssimo”, enquanto na Igreja Bizantina situa-se no
“Trono de Salomão”, correspondendo na Igreja Romana à “Cadeira do Sumo
Pontífice”.”
Sendo São Miguel consignado Anjo Custódio, este último termo, Custódio, com o sentido de “Guarda, Guardião, Tutelar, Protector, Paraninfo”, etc., (19) vai bem com a finalidade litúrgica da Custódia ou Ostensório,
utilizada para expor o Santíssimo ou levá-lo em procissão, por conter a
presença Divina tal qual São Miguel escuda a Deus como seu
prolongamento – Quis ut Deus.
Celebrado pela Igreja Ocidental em 29 de Setembro e pela Igreja Oriental em 8 de Novembro (21 de Novembro na maioria das confissões ortodoxas, que ainda utilizam o calendário juliano), reconhece-se na Igreja Universal o Arcanjo Mikael como “Capitão de Deus” dos “Poderes não encarnados do Céu” (as restantes Cortes Angélicas) na chamada Festa de São Miguel e todos os Anjos. Por outra parte, a Igreja Católica também celebra a Festa do Santo Anjo da Guarda em 2 de Outubro, enquanto a Festa do Anjo Custódio de Portugal é realizada em 10 de Junho, coincidindo com o Dia de Portugal, depois de ter sido restaurada e aprovada pelo Papa Pio XII que fez fé no testemunho dos três pastorinhos de Fátima a quem o Anjo Custódio de Portugal aparecera diversas vezes em 1915 e 1916 anunciando as posteriores aparições de Nossa Senhora nesta sua Terra de Santa Maria, tendo dado às três crianças a comunhão com o “preciosíssimo, corpo, sangue, alma e divindade de Jesus Cristo”. Pio XII não fez mais que restabelecer o que o seu antecessor Leão X instituira em 1504 a pedido do rei D. Manuel e dos bispos portugueses, a Festa do Anjo Custódio do Reino, cujo culto já então era muito antigo em Portugal.
A data da festividade do Anjo Custódio
não foi sempre a mesma. Antes de determinação de Pio XII, ela
festejava-se ou no terceiro domingo de Junho ou de Julho, ficando aquele
mês para a celebração que quase desapareceu no século XIX, com as
derrotas napoleónicas e os triunfos liberais e depois republicanos
fazendo cair a devota e esplendorosa festa que equiparou com a
importantíssima do Corpus Christi desde o reinado de D. João I,
até que finalmente o supradito Papa restaurou a celebração do Anjo
Custódio de Portugal já no século XX, ainda que não tenha a pompa e
grandeza de outrora.
O facto da população portuguesa desde muito cedo ter-se posto sob a guarda do Arcanjo São Miguel, deve-se ao facto dele ser o vencedor da morte, como é crença geral, pois que na sua função psicopompa ou de condutor de almas conduz estas do mundo dos vivos pelo oceano dos mortos ao Paraíso celeste. O simples facto de evocar São Miguel era já meia garantia que ele atenderia o rogo do crente na hora final e o conduziria com segurança, evitando o mundo tenebroso das almas danadas, ao Reino dos Céus onde soberanamente o Trono de Deus resplandece, facto reproduzido ao nível imediato, simbolicamente, pelo trono dos reis de Portugal.
Como Anjo da Guarda, São Miguel assiste
protector a um e todos os portugueses e a todo Portugal, tal a devoção
geral que lhe é consagrada. O culto do Anjo da Guarda radica na crença
primeva e universal de que todos os seres humanos são assistidos pessoal
e colectivamente, a título vitalício, por daimones ou génios protectores, equivalentes aos djins citados no Alcorão.
A Igreja Católica do do Oriente e do Ocidente perfilhou a crença e
celebração dos Anjos da Guarda quase desde o seu início, fundada em duas
passagens bíblicas, uma do Antigo Testamento e outro do Novo
Testamento, ou sejam, em Salmos, XCI, 10-12, “Deus mandou aos Seus Anjos que te guardem em todos os caminhos”, e em Mateus,
XVIII, 10, “Tende cuidado em não escandalizar a um destes meninos,
porque os seus Anjos vêem sempre a Face de Meu Pai, que está nos Céus”.
Já Orígenes, nos séculos II-III d. C., advogava que “junto de cada homem
há sempre um Anjo que o ilumina, protege e guarda de todo o mal”.
Acrescentando Manuel J. Gandra (20): “O Anjo da Guarda, como conselheiro e hierofante do ser humano e o guia mais seguro para aceder ao mundus imaginalis,
‘orientado pelo mistério do pressentimento’ (como sublinha Câmara
Cascudo), era devoção já implantada em Portugal na centúria de
Quinhentos. A evocação de uma tal intimidade teofânica com o ‘divino e
invisível companheiro’, de resto consentânea com as exigências
ontológicas e hermenêuticas da filosofia profética portuguesa, supõe,
contudo, a obediência a regras protocolares bem definidas, a que não é
indiferente o teor vertigínico de considerável número de preces
destinadas ao seu obséquio”. Ora este Anjo Custódio da crença individual
e colectiva portuguesa é exactamente São Miguel, reconhecido Guerreiro
Celeste cujas armas sagradas sempre prontas para a peleja contra o mal,
são a garantia da perpétua Assistência Divina na Terra e no Céu às armas
e almas de Portugal, de cujas ermidas, capelas, igrejas e catedrais
sobem nuvens de incenso e orações perfumadas das bocas fiéis osculando o
santo nome do divino Custódio, num preito sentido de profunda gratidão.
Apesar de tudo e mercê de duas esculturas de São Miguel e do Santo Anjo Tutelar do Reino (vide imagem no cabeçalho deste estudo) patentes na capela de São Pedro de Alcântara na Basília Real de Mafra, anacronicamente há quem consigne ambos como entidades distintas em guisa de despromoção do Capitão dos Céus, acto literício talvez inconsciente provocado por bibliografia excessiva nem toda conformada ao tema previsto que leva a perder o rumo e ao cometimento de imprecisões elementares, segundo me parece, atendendo a que os predicados canónicas e litúrgicos de São Miguel dispõem-no, como resultante dos mesmos, na função de Anjo Tutelar, pelo que um e outro são a mesma entidade, um como princípio e outro como função. Nem os testemunhos documentais históricos, nem a própria tradição angeológica, nem coisa nenhuma afirmam o contrário, pelo que manifesto a minha absoluta estranheza sobre essa prerrogativa de origem avulsa singular sem aceitação colectiva.
A escultura de mármore de corpo inteiro, em tamanho natural (2,450 m de altura), do Santo Anjo Tutelar do Reino
retrata um mancebo de olhar resoluto e gestos firmes. Possuído da
dignidade dos Arcanjos, segura na mão direita as Armas Portuguesas pelas
quais deve zelar. Como os restantes Arcanjos (S. Miguel, S. Gabriel e
S. Rafael) seus companheiros de capela, o Anjo Tutelar apresenta
uma superior expressão corpórea em comparação com as restantes peças da
galilé e do interior da igreja. Trata-se de uma aparente contradição
pois é sabido que estes Seres apenas assumem uma forma, um corpo, para
que os humanos possam vê-los. Por isso o seu corpo não corresponde a
nenhum modelo real, não sendo pecaminoso em si nem para o olhar que o
apreende. Por extensão, o Santo Anjo Tutelar do Reino tem as
mesmas prerrogativas que os seus congéneres: louva constantemente a Deus
e, como guerreiro, protege o Reino de ataques externos, físicos e
psíquicos, ao mesmo tempo que contribui para a sua expansão territorial (21).
Apesar de vários autores, sobretudo Joaquim da Conceição Gomes (22) e Ayres de Carvalho (23), atribuírem a escultura do Anjo Tutelar
a Filippo della Valle cerca de 1733, contudo, na década de 90 do último
século Alain Jacobs pretendeu invalidá-la dando-a como obra do artista
belga Laurent Delvaux (1696-1778) (24), informação reiterada por Teresa Leonor M. Vale (25).
Talvez o belga Laurent Delvaux possa ser o autor da peça em questão,
talvez até tenha frequentado a Escola de Arquitectura e Belas-Artes de
Mafra e talvez mesmo colaborado com algum dos mestres da mesma, mas há
um “senão”: a obra escultórica do Convento de Mafra é exclusiva de
artistas portugueses/italianos, também nisto conformados à ideia
subjacente da translatio imperii que assiste de raiz ao imóvel,
ou seja, a trasladação da Arte do 4.º Império (Roma, Itália) para o
Saber do 5.º Império (Lisboa, Portugal) retratada neste monumento
régio-religioso da Utopia por ser todo ele consagrado ao tema
quinto-imperial. Alemães, belgas, franceses, ingleses, espanhóis, etc.,
frequentaram a Escola de Mafra, sim, mas as suas pressupostas obras não
têm aqui a fama da exposição pública. Com isso, permito-me duvidar da
veracidade desse desmentido que parece-me ser mais uma tendência
nacionalista francófona que propriamente uma conclusão cientifíca isenta
de tendenciosismo.
Se o Anjo Custódio de Portugal aparece ao
lado de São Miguel, falta a expressão terreal deste em Mafra, ou seja,
São Jorge, que mesmo assim foi projecto monumental destinado a figurar
possivelmente no largo defronte à basílica mas que não passou de
esquisso ou molde o qual ainda existe nas arrecadações deste convento.
Tudo tresandando a simbolismos e significados transcendentes…
De tudo o dito, concluiu-se a presença de uma só Entidade em três funções distintas em guisa de “Senhor dos Três Mundos”:
São Miguel (In Divinus) – Supramundo (Spiritus)
Anjo Custódio (In Patris) – Mundo (Anima)
São Jorge (In Regnum) – Inframundo (Corpus)
Como Alma (Anima) o Anjo Custódio está relacionado à tradição romana do Genius Loci, isto é, o Génio, Jina ou divindade tutelar local, espécie de Egrégora
ou “Alma Psicomental” criada pela colectividade servindo de veículo a
acção do respectivo deus protector da cidade, do país e até do
continente, conforme a sua grandeza hierárquica da categoria de Arcanjo
ou Agnisvatta, em sânscrito, isto é, “Senhor do Fogo”, a quem os Rosacruzes chamavam “Espírito de Raça” (26) e os romanos de “Génio do Lugar” (27).
Vultuoso número de autores conceituados na historiografia religiosa nacional partilham a unanimidade identitária de São Miguel e o Anjo Custódio serem um só, distintos nas funções mas de essência única, ou seja, o mesmo Ser. Diz António Carvalho da Costa (28):
“No ano de 1329, em que reinava D. Afonso
IV, era Abade deste Mosteiro Paio da Vaia, e confessava dever cento e
dois jantares a cada ano a D. Rodrigo, Bispo de Tuy. Haverá cento e
tantos anos que daqui foi Abade Diogo Anes Aranha, instituidor da Capela
do Outeiro, de que falámos na Freguesia de Pacó. Deviam já ser anexas
desta Freguesia as de S. João da Parada e S. Lourenço do Cabrão, em que o
Reitor apresenta Vigário, dois dízimos e outros foros que fez a Comenda
de Cristo, que tem trezentos mil reis. Tem esta Freguesia 120 vizinhos
com um Reitor, que apresenta o Ordinário, e há nela uma Capela de S.
Miguel o Anjo, Ermida antiga, que no tempo da Rainha D. Teresa se
chamava S. Miguel de Veiga, e nela eram obrigados os Bispos de Tuy a
cantar cada ano uma Missa por sua Alma, e pelos Reis seus sucessores. A
esta Ermida vai a Câmara dos Arcos no terceiro Domingo de Julho, em que
se festeja o Anjo Custódio, acompanhando o seu Mordomo, que sempre é
mancebo nobre, e solteiro; dizem Missa; voltam a ensaiar os cavalos a
Requeijó, onde lhes dão um refresco de doces. Chegam ao terreiro da
Vila, ali correm suas parelhas, lançam canas, e fazem uma escaramuça
dobrada, com perfeição grande. A Rainha D. Teresa, quando deu à Sé de
Tuy este Mosteiro, deu-lhe mais a Igreja de S. Miguel de Aurega na
ribeira do Lima, que devia então ser Paróquia.”
O mesmo autor, na página 7 da sua obra citada, descreveria sobre a presença cultual histórica do Anjo Custódio em Guimarães:
“Com a muita concorrência de Romeiros, e
devotos que vinham visitar a sagrada Imagem da Virgem Santa Maria,
edificaram-se junto do seu Mosteiro algumas casas, que assim como podiam
ser para acolhimento e agasalho dos que vinham visitar esta Senhora,
também podiam ser para morada de alguns seus devotos; e como elas foram
fundadas contíguas umas com as outras, lhe puseram o nome de Burgo, e
aos seus moradores o de Burgueses. Este foi o primeiro fundamento da
nova Vila de Guimarães, e este o seu princípio que foi muitos anos
depois da Vila Velha, como tenho mostrado pelos Autores citados, e o
reforça e verifica esta verdade que antes da Vila Velha experimentar as
suas últimas ruínas, tinha jurisdição dividida da nossa e ambas eram
governadas por diferentes Ministros; tanto assim que ainda hoje numa
Procissão, que costuma fazer todos os anos a Câmara ao Anjo Custódio na
terceira Dominga de Julho, que sai da igreja Colegiada com o seu Cabido e
mais Clérigos da serventia dela, vão os Vereadores com suas varas em
corpo de Câmara acompanhados do seu Procurador, Misteres e Escrivão, e
os Ministros da Justiça, Corregedor, Provedor e Juiz de Fora, e entram
na Vila Velha, e na sua igreja de São Miguel reza o Cabido certas
orações; e quando esta Procissão sai da Colegiada, leva o Juiz de Fora
um pendão de cor vermelha, e nele um painel do Santo Anjo, e chegando ao
distrito da Vila Velha, o entrega ao Vereador mais velho, em razão
deste não poder entrar com vara alçada onde não tem jurisdição; e no
presente se está observando este estilo.”
Por sua vez, Nicolau de Oliveira enfatiza
o culto particular de D. Manuel I a S. Miguel Arcanjo Custódio de
Portugal na sua capela do Hospital de Todos os Santos, em Lisboa (29):
“O Mestre de Capela serve a Capela do
Anjo Custódio [no Hospital de Todos os Santos, em Lisboa], tem de
obrigação Missa quotidiana por El-Rei D. Manuel, tem de ordenado
sessenta e dois mil réis, a saber de Capelão quarenta, e dois para
sobrepeliz, dezasseis de mestre, quatro mil réis e um moio de trigo para
um tiple, e não o tendo não o haverá, tem mais um alqueire de grãos
para a Quaresma, um quarto de carneiro por dia de todos os Santos, outro
pela Páscoa, e pelo Natal entra com os outros Capelões na repartição de
um porco, tem mais cada sábado noventa réis para a barba.”
Assinalando a festa do Anjo Custódio em todo o País no mês de Julho, fazendo um apanhado geral dos eventos relacionados à mesma, D. António Caetano de Souza registou (30):
“O Anjo Custódio do Reino de Portugal se
festeja em todo ele na terceira Dominga do mês de Julho, com solene
Procissão, em todas as Cidades e Vilas que são cabeças de Comarcas, a
que o Senado das suas Câmaras com o Cabido, são obrigados a assistir.
Foi estabelecida esta Festa pela devota piedade do invicto Rei D.
Manuel, para a qual alcançou Breve da Sé Apostólica, e se celebra com
Ofício de Rito Duplex Maius em todo o Reino, e nas Ordens do seu
governo incorporou a obrigação desta solenidade por Lei a seus vassalos”
(p. 213). “D. Manuel, em quem a piedade da Religião Católica tinha
tanto lugar, que não sei, quando leio a sua vida, se foi a maior de
todas as suas virtudes. Para fazer perpétua esta Festa, alcançou da Sé
Apostólica um Breve, para a celebrar na terceira Dominga do mês de Julho
ao Anjo Custódio do Reino, que com ofício particular se reza no
Arcebispado de Lisboa. Ordenou também, que com Procissão solene seja
esta Festa celebrada, o que mandou incorporar por Lei na Ordenação do
Reino, liv. I tit. 66§ 48. O Senado da Cidade de Lisboa, em obséquio
desta Lei, faz Procissão, acompanhada do Cabido e de todas as
Comunidades, Clero e das Bandeiras dos Ofícios, que se juntam como no
dia de Corpo de Deus, e correm as ruas naquele dia; porque assim o
determinou El-Rei D. Manuel, querendo que fosse este dia tão solene como
o do Corpo de Deus. Desta piedosa acção se lembra Damião de Góis na Chronica do dito Rey, part. 4 cap. 86; e Mariz Dial 4, cap. 19; Faria na Europa Port. tomo 2, part. 4, cap. I, num. 104; o Padre António Vasconcelos no Tratado do Anjo da Guarda, liv. I cap. I, part I, pág. 2; e Pegas no Tit. 5 ad Ord,
lib. I, tit. 66, n. 48. Na Vila de Guimarães, se leva em Procissão um
Anjo grande de prata dourada, que foi tomado na célebre batalha de
Aljubarrota, que o invicto Rei D. João I deu à Igreja Colegiada de Nossa
Senhora da Oliveira, a quem deveu esta insigne vitória” (p. 217).”
Acerca das ofertas do rei D. João I à
Colegiada vimaranense da Senhora da Oliveira, há o seguinte registo
histórico da autoria de Vilhena Barbosa (31):
“Entre os mais objectos preciosos tomados
na batalha de Aljubarrota, e oferecidos a Nossa Senhora da Oliveira,
figuravam doze anjos de prata doirada. Os cónegos desfizeram onze destes
anjos para ornar o seu templo com mais alguns castiçais, turíbulos,
navetas e outras peças. Deixaram todavia um para memória, que existe no
tesouro da Colegiada e tem de peso 24 marcos. Antigamente costumavam
conduzir este anjo na procissão do Corpo de Deus, pondo-lhe nas mãos o
Santíssimo Sacramento. Depois, pelos anos de 1540, e de então até à
actualidade, deixou de tomar lugar naquela festividade, para sair
tão-somente na procissão do Anjo Custódio. E para que representasse bem o
do Anjo Custódio de Portugal, puseram-lhe na mão esquerda o escudo das
armas portuguesas, e na mão direita uma espada! Por felicidade tem este
anjo uma inscrição, que diz: Esta obra mando fazer em noble sñor rey Don Juan, hijo del noble sñor rey Don Enrique.
Refere-se a D. João I de Castela, filho de D. Henrique II. Alguns dos
outros anjos que se desfizeram, tinham sido feitos por ordem deste
último monarca, conforme se lia nas respectivas inscrições.”
O ciclo dos Descobrimentos Marítimos em
Quatrocentos e Quinhentos foi posto sob o padroado do Divino Espírito
Santo intercedendo através do Anjo da Guarda S. Miguel, e foi assim que o
nome da Ilha de S. Miguel, arquipélago dos Açores, e a sua descoberta
atribuem-se à aparição desse Arcanjo aos navegadores portugueses. É
curiosa a relação entre Santa Maria (primitivo nome religioso de Portugal, Terra de Santa Maria) e S. Miguel,
que da primeira ilha açoriana descoberta passou depois à segunda onde é
padroeira, como se pretendesse o Arcanjo na primazia celeste sobre o
oceano dos mortos, e a Mãe na primazia terrestre sobre o oceano dos
vivos. Diz António Cordeiro (Angra, 1641 – Lisboa, 2.2.1722) (32):
“Mas deixando estas fábulas, a verdade é
que vindo desta segunda vez o ditoso Frei Gonçalo Velho Cabral, e pondo a
popa no Norte da Ilha de Santa Maria, foi dar directamente na ilha que
buscava a 8 de Maio de 1444, dia da Aparição de S. Miguel o Anjo: e
assim o descobridor lhe chamou logo Ilha de S. Miguel, governando já
então em Portugal o Infante D. Pedro, filho de el-Rei D. João I, e irmão
de el-Rei D. Duarte, que também já era falecido, e tinha deixado de só
seis anos a D. Afonso V, a quem o dito D. Pedro seu tio entregou o
governo do Reino em 1448, e aqui chegaram então a estas duas ilhas, de
Santa Maria, e S. Miguel, ilhas dos açores, ou por se verem alguns nelas
que de fora vinham, ou por nelas haverem muitos milhafres, que no
pilhar se parecem com os açores, e ultimamente Ilhas Terceiras, como em
seu lugar veremos” (p. 172). “Foi esta segunda vinda dos descobridores, e
povoadores portugueses da Ilha de S. Miguel, no ano de 1445 do
nascimento de Cristo, a 29 de Setembro, dia da dedicação de S. Miguel o
Anjo, tendo já sido na primeira vinda a aparição do mesmo S. Miguel a 8
de Maio do ano antecedente de 1444, que parece que quis Deus denotar que
até então andavam diabos naquela ilha, veio o Anjo S. Miguel lançá-los
dela, como no princípio do mundo lançou do Céu aos diabos; e que se de
todo o Género Humano um divino Guarda-Mor, um S. Miguel o Anjo, quis ser
desta ilha o seu especial Anjo da Guarda; vejam lá agora lá os
moradores dela quanto devem como Anjos proceder, ou seguir a S. Miguel,
lançando fora de si o pior do pecado, e quanto devem celebrar um seu tão
grande Anjo” (p. 175).”
Com a inclusão da missa do Anjo Custódio de Portugal no Missal de Braga (33), as evocações, prédicas e sermões sobre o mesmo encheram de graça e fervor as assembleias seculares na unidade da aclamação do “Anjo nosso protector”. Pelo valor que possui e a raridade literária que hoje é, acho por bem encerrar este estudo com a transcrição integral do Sermão do Anjo Custódio de Portugal do Padre Manuel da Silva, proferido no terceiro domingo de Junho de 1677 na Sé Patriarcal de Lisboa (34):
1. Tendo em nós as memórias dos benefícios recebidos uma devida correspondência, ou significação do nosso agradecimento: Qui meminit sine impendio gratus:
assaz devidas são as memórias que hoje consagramos ao Anjo Custódio
deste Reino de Portugal; pois são tão singulares os benefícios, que sua
protecção e assistência temos recebido, e recebemos. Para que em nós
fosse perpétuo o agradecimento do benefício que recebemos no Sacramento
do Altar, ordenou Cristo Senhor nosso que houvesse em nós uma perpétua
memória de tão singular benefício: Hac quotiesumque feceritis, in mei memoriam facietis.
E porque mais deste que de outros muitos benefícios, que de sua liberal
mão recebemos, há-de haver tão contínua e agraciada memória? A razão,
acho eu, que é porque no Sacramento do Altar assiste-nos Cristo, e nos
há-de assistir até ao fim do mundo em tantas custódias, quantas são
aquelas em que se acha pelos Sacrários dos Templos, fazendo-nos
perpetuamente corpo de guarda com a presença de seu Corpo sacramentado: Ecce ego vobiscum sum usque ad consumationem saeculi.
E uma custódia, e assistência tão contínua a de Cristo no Sacramento,
bem mereceu uma perpétua memória em sinal do nosso agradecimento: In mei memoriam facietis. A assistência, que o Anjo da Guarda deste Reino faz a Portugal, não é um de ano; é e há-de ser perpétua até ao fim do mundo: Usque ad consummationem saeculi.
E ao benefício de uma assistência tão contínua, de uma custódia tão
prolongada, justo agradecimento corresponda à perpetuidade da memória,
que neste dia lhe consagramos, instituído já desde o tempo de El-Rey D.
Manuel, e confirmada por especial Breve da Sé Apostólica.
2. Mas que tem de combinação a memória,
que hoje consagramos ao Anjo Custódio deste Reino, com matéria do
Evangelho, que a Igreja nos oferece nesta solenidade? Eu o direi, depois
de fazer uma pergunta sobre o mesmo Evangelho. Escreve S. Mateus que na
ocasião em que Herodes tratava de opor-se ao Reino de Cristo aparecido
de poucos dias no mundo, aparecera em sonhos a S. José o Anjo do Senhor:
Angelus Domini apparuit in somnis Joseph. Pergunto agora: Este
Anjo do Senhor era porventura Anjo da Guarda do Menino Deus? Claro está
que não, pois é certo que Cristo não tinha, nem necessitava de ter Anjo
Custódio, por quanto além da Divindade ter à sua conta resguardar a
Humanidade unida em um suposto; Cristo ainda em quanto homem não era
puramente vidente, como nós somos; era singularmente compreensor, como o
são os bem-aventurados. Logo de quem era guarda esse Anjo? Sem dúvida
que era Guarda-Mor do Reino de Cristo. Ao Reino de Cristo se opunha
Herodes, pois ao Reino de Cristo vem resguardar este Anjo; se todos os
Reinos têm Anjo Custódio, não lhe havia de faltar o seu Anjo Custódio. O
Reino de Cristo na Terra somos nós os fiéis, e isso fez dizer S. João
no seu Apocalipse: Fecisti nos Deus nostro regnum. E como nesta
ocasião as principais pessoas deste Reino Espiritual eram os que se
contêm no nosso Evangelho, trata o Anjo de as resguardar da tirania de
Herodes na forma que encomenda a S. José: Surge, et accipe puerum, et matrem ejus, et fuge in Aegyptum.
E bem sabem, os que me ouvem, que o Reino de Portugal se chama com
especialidade Reino de Cristo: não só por que nele tem os mais
fidelíssimos vassalos, que militam debaixo da bandeira e estandarte da
sua Fé, se não também porque o mesmo Senhor o escolheu já desde os seus
princípios para Reino e Império seu, conforme a palavra que deu ao seu
primeiro Rei [D. Afonso Henriques]: Volo inte, et in semine tuo imperium mihi stabilire.
Pois para que se entenda o desvelo com que o Anjo Custódio deste Reino
de Portugal se empenha em o resguardar; saiba-se o desvelo com que o
Anjo do Senhor, de quem fala o Evangelho, se empenha em defender ao
Reino Espiritual de Cristo. Pelo desvelo de um Anjo quer a Igreja que se
conheça hoje o desvelo de outro, quando assim um como outro ambos são
Custódios do mesmo Reino de Cristo, um do seu Reino Espiritual, outro do
seu Reino de Portugal. E suposta esta consideração, segue-se que
saibamos de que meio se vale hoje o Anjo do Evangelho para resguardar de
todo o perigo ao Reino Espiritual de Cristo; que deste mesmo eu quero
mostrar do que se vale o Anjo de Portugal para seu resguardo, e
conservação. O meio consiste numa palavra, e é a última do nosso tema: Surge,
de que eu faço escolha para matéria do Sermão; e não poderá haver
queixa de ser comprido, não passando o discurso de mais que a ponderação
de uma só palavra.
3. Surge, diz o Anjo do Evangelho a S. José; e considero eu que diz também o Anjo Custódio deste Reino a Portugal: Despertai, acordai do sono em que vos achais.
Vigilância encomenda o Anjo, e com razão; pois não há melhor meio para o
resguardo e conservação dos Reinos e estados do Mundo que o desvelo. Se
há sono, se há descuido, por mais florescentes que se achem as
Monarquias correm grande perigo de se perder. O primeiro, e mais
florescente estado que no Mundo houve, foi o estado da inocência no
Paraíso Terrenal. E quanto durou esse estado? Não chegou a sua duração a
número de anos, nem sequer de dias na melhor opinião, que não são de
muita dura na Terra as felicidades do Céu, de que participava aquele
estado; em breves horas acabou e se perdeu para sempre, vindo Deus em
pessoa a lançar fora do Paraíso aos que o dominavam: Emisit eos Dominus de Paradiso
(Gen. 3.13). E não saberemos a origem de tal desgraça? Já se sabe, que
contra o estado da inocência só podia prevalecer a culpa. Mas esta culpa
donde teve a sua origem? De uma Eva. E esta Eva donde teve o seu
princípio? De um sono, de um descuido. Pôs-se a dormir Adão no mesmo
ponto em que tomou posse daquele estado; o sono, não há dúvida, que foi
misterioso, pois foi infundido por Deus: Immist Dominus soporem in Adam
(Gen. 2.21); com tudo, é certo que naquele sono se tirou a Adão do lado
uma costela; daquela costa se formou uma Eva; e daquela Eva se originou
a perdição de tão solene estado. E eis aí o estado da inocência
perdido. Por quem? Por uma Eva originada de um sono.
4. Passemos do estado da inocência aos
estados e Impérios do Mundo representados em sonho a Nabuco naquela sua
grande e portentosa estátua; e acharemos que quando mais se prometiam na
dureza dos metais de que se compunham, eterna duração contra a
violência dos tempos e contínuos assaltos dos anos, ao golpe de uma
pequena pedra que descida do monte e lhe fez tiro aos pés, se
arruinaram, e converteram em cinzas todas essas Monarquias desde os pés
até à cabeça; sem lhe valer nem a cabeça ser de ouro, nem aos braços e
peito o serem de prata, nem ao bojo o ser de bronze, nem às mais partes o
serem de ferro: Lapis abscissus de monte percussit statum in pedibus: tunc contrita sunt pariter ferrum, testa, es, argentum, et aurum
(Dan. 2. 34.35). Agora, noto eu, que esta fatal ruína e assolação de
tão florescentes estados e Monarquias não a representou Deus a Nabuco
estando acordado, senão estando dormindo, e sonhando: Vidi sonium
(Dan. 5.1). E porque lha não representou estando acordado? Estando
acordado tinha os olhos abertos, estando dormindo tinha os olhos
fechados. Logo, quando tinha os olhos abertos na vigia e não quando
tinha os olhos fechados no sono, parece que dizia melhor o
representar-lhe Deus a ruína destes Impérios. Não, a ruína dos Impérios
não o diz com os olhos abertos, não o diz com o acordo da vigilância,
porque se há vigilância, se há acordado, não pode haver ruína: diz com
os olhos fechados, diz com o desacordo do sono; se há sono, se há
descuido, num abrir e fechar de olhos se arruínam os mais florescentes
Impérios e estados, as mais dilatadas Monarquias, por mais rios de prata
e ouro em que nadem, por mais peitos de aço, ou de bronze, com que se
armem, por mais armas de ferro com que se fortifiquem: Vidi somnium: Contrita sunt pariter terrum, tosta sed argentum et aurum.
Daqui tiro eu que para que o Reino de Deus floresça e permaneça, para
que o Reino de Portugal se conserve e perpetue na duração sem perigo de
ruína, quer o Anjo do Evangelho falando com José, quer o Anjo Custódio
deste Reino falando com cada um de nós, que não haja sono, que não haja
descuido algum, mas vigilância, e desvelo: Surge.
5. Dir-me-ão que sendo Reino de Deus o que o Anjo do Evangelho vem a defender, sendo Reino especialmente de Cristo o Reino de Portugal, parece que seguramente pode o Anjo Custódio o deixar dormir e descansar; pois está sabido que um tal Reino como o de Cristo não há-de perigar, não há jamais de arruinar-se ou acabar, quando o mesmo Anjo nos está dizendo que não há-de ter fim: Regni ejus non erit finis (Luc. 1.33). Contudo, nem por isso se há-de dar à confiança, nem por isso se há-de deitar a dormir, porque acode o Anjo; antes por isso mesmo, porque é Reino seu que há-de vigiar, e estar de acordo com mil olhos sobre si: Surge. Haverá alguém, pergunta Job, que possa fazer com que o Céu durma e descanse, sequer por um pouco, dando um breve parêntesis de sono ao suave descante de harmonia com que regularmente se governa? Concentrum caeli queis dormire faciet? (Job 38.37). Isso não se fará possível, diz o Eclesiástico, porque as Estrelas, que são os seus olhos, jamais cessam de estar de vigia em perpétua sentinela: Stella in vigiliis Suis non descient (Ecles. 43.11). Se o Céu é Reino, que chamamos especificamente de Deus, Adveniat Regnum Tuum, se é centro de todo o alívio, lugar de todo o descanso, e remanço de todas as fadigas, porque o Céu não há-de estar com tantos olhos abertos sobre si, quantas são as suas Estrelas? Ainda quando a noite convida a todos a fechar os olhos, não há-de pregar olhos o Céu? Não: Stella in vigiliis suis non descient, isso mesmo porque é Reino de Deus, que há-de durar para sempre: Caeli regnum in aeternum non dissipabitur (Dan. 1.44). E Reino que há-de durar para sempre nunca há-de pôr os olhos, mas sempre a vigiar sem haver quem o possa fazer dormir, ou descuidar de si: Concentum caeli quis dormire faciet? Sim, mas o Céu não necessita destas vigias para se segurar; que pela segurança que tem, costumamos nós dizer, seguro está o Céu de ladrões; Seguro está, é verdade, mas por isso mesmo está seguro porque não dorme, porque não cessam seus olhos de vigiar: Stellae in vigiliis suis non deficient. E como se poderá dar por seguro o Reino de Portugal, ainda que seja Reino especialmente de Cristo, se nele faltar aquele desvelo que o Anjo Custódio quer que haja: Surge? Sem dúvida que por falta desta vigilância temos visto nestes nossos tempos tão repetidas ousadias de ladrões por mar, com descrédito do nome Português, e dizem que também por terra. Mas já agora pela mercê de Deus a poder dos brados do seu Anjo Custódio, parece que vai Portugal despertando da modorra do seu descuido; pois o vemos tão desvelado por sair da terra ao mar. Ora desperta Reino de Deus, abre os olhos, que ele é o meio da tua conservação, que hoje se recomenda a brados o teu Anjo Custódio: Surge.
6. O que eu acho ser muito digno de
advertência, é que julgando o Anjo do Senhor no Evangelho ser necessária
para a conservação do Reino de Cristo a vigilância, o Anjo não desperta
ao Menino Deus, que é o Príncipe deste Reino, senão a José, que é o
vassalo: Apparuit in somnis Joseph, dicens: Surge. Ao Príncipe,
cuidava eu, que havia de despertar, que do sono e descuido dos
Príncipes, das modorras e letargo dos Monarcas é que se originam as
maiores inquietações e predições das Repúblicas [entenda-se “República”
como a ordem do que é público e comum, e não, a Famigerada "república" que tem destruído Portugal dêsde há 100 anos(palavras minhas)]. No meio daquela tormenta, em que
dormindo Cristo, se davam seus Discípulos por perdidos na sua Naveta,
foi advertir o Evangelista S. Mateus que todos acudiam a despertar ao
Senhor: Suscitaverunt eum, dicentes: Domine, salva nos, perimus
(Mat. 8.25). Senhor, se vós não acordais e não nos acudis, a braveza da
tormenta é tal, a fúria das ondas tanta, o impacto dos ventos tão
contrário, que não podemos deixar de nos afundar: Perimus. Eu
cuidava, que como os Discípulos eram tão peritos e exercitados naquela
navegação por razão das suas pescas, que fizessem o que costumam fazer
os navegantes em ocasião de tempestades: que acudissem uns a tomar as
velas, outros a pegar os remos, outros a governar o leme, outros
finalmente a alijar ao mar e aliviar a embarcação, que isso pedia o
aperto em que se achavam. Mas acudiam todos a despertar o Senhor: Suscitaverunt eum, e pedir-lhe que os salvasse: Salva nos;
sem porém haver da sua parte algum culto de trabalho para se salvar?
Assim é que todos queremos a salvação e a pedimos a Deus: Domine, salva nos,
mas sem culto nosso, esperando que Deus ponha todo o culto para nos
salvar. Bem é o valer de Deus nos apertos, mas também é necessário que
nos valhamos das nossas mãos; que a mão de Deus e a do Homem é que fazem
boa liga para conseguirem a salvação, que isso dizia Deus a Moisés: Extende manum tuam, extendam manum meam
(Exod. 34.20). Estendei a vossa mão, que eu também estenderei a minha:
mas sabei que a minha sem a vossa não vos há-de valer para vos salvar.
Contudo, os Apóstolos nessa ocasião da tormenta de que falamos,
persuadiram-se, e com razão, que assim como a braveza do mar tomou
confiança para os inquietar, por ver ao seu Príncipe adormecido, Motus magnusfactus est in mari, ipse vero dormiebat,
assim despertando o Príncipe num abrir de olhos, se veria logo evitado o
perigo e serenada a tempestade, como na verdade aconteceu: Surgens imperavit mari, et facta est tranquillitas magna. Notem o Surgens. Despertando o Príncipe, todos ficaram salvos; em quanto dormia, todos se davam por perdidos: Perimus.
7. Sendo pois isto assim: porque não
desperta hoje o Anjo Custódio a Cristo, que é Príncipe, senão ainda a
José que era vassalo, era muito do lado deste Divino Príncipe; e os
Príncipes pelos lados é que se costumam despertar. Temos exemplo muito
semelhante com o documento de outro Anjo. Preso, e carregado de algumas
cadeias se achava S. Pedro no cárcere de Herodes, sem que a moléstia dos
grilhões lhe tirasse o repouso, em que pastava dormindo descansadamente
entre dois soldados que o tinham de guarda: Erat Petrus dormiens inter duos milites
(Act. 11.6). Que aos servos de Deus os trabalhos e perseguições não
lhes tiram o sono. E diz o Texto Sagrado que vindo um Anjo do Céu a
despertá-lo, o despertara pelo lado: Percusso latere Petri, exeitavit illum:
dando-lhe um golpe no lado o fez acordar. E porque mais pelo lado que
por outra qualquer parte do seu corpo, o desperta o Anjo? Tudo na
Escritura Sagrada tem o seu mistério, e o deste lugar está claro: era
Pedro Príncipe da Igreja, Princeps Apostolorum; e os Príncipes pelos lados é que se devem despertar, como despertou Pedro dando-lhe um golpe no seu lado: Percusso latere Petri, excitavit illam.
Se os golpes que se dão nos lados são meio que os Anjos Custódios tomam
para despertar os Príncipes, e por meio dos Príncipes os Reinos, muito
desvelado mostra-se o Anjo Custódio a Portugal, pois temos visto nestes
nossos tempos tantos golpes mortaças pelos lados do maior valimento.
Sendo logo José tanto do lado do Divino Príncipe, parece pudermos dizer
que por este seu lado o quis hoje o Anjo despertar: nem foi necessário
dar golpe no lado, bastou o brado de uma vez: Surge; que não
devia o sono de José ser tão profundo como o de Pedro, que necessitasse
de golpes para despertar. Eu porém direi que a José, que era o vassalo, e
não ao Menino Deus, que era o Príncipe, desperta hoje o Anjo do nosso
Evangelho, porque de tão Divino Príncipe não se pode supor que dorme, ou
se descuida no tocante ao nosso bem; pois sabemos que David o descreve
tão desvelado por nossa Custódia, que não só mais o viu nem verá
dormindo em forma que se descuide de nos falar, e resguardar: Non dormitabit, neque dormiet, qui custodit Israel
(Psal. 120.4). O que importa é que não durmamos nós, os vassalos, que
nos não descuidemos no serviço de tão Divino Príncipe, e no resguardo de
nossas almas, que são Reino de Deus que temos dentro de nós mesmos: Regnum Dei intra vos est (Luc. 17.21); por cujo respeito nos está o Anjo despertando a brados: Surge.
Praza a Deus, que ao som destes brados acabamos nós todos de despertar
da modorra de nossas culpas, do descuido de nossa salvação; que isso é o
que o Anjo Custódio pretende com as vozes tão repetidas, que a cada um
de nós está dando ao coração: Surge.
8. Tenho porém contra o Anjo Custódio
deste Reino um grande queixume, e não o posso dissimular. Se o Anjo
Custódio deste Reino tem à sua conta o desvelar-se por nos defender, e
resguardar, para que é despertar-nos com os seus brados: Surge?
Não basta que o Anjo vigie, não basta que o Anjo se desvele? Vele o
Anjo, que esta é a sua obrigação; e deixemo-nos a nós dormir, deixe-nos
descansar. Não sabemos o que dizemos, porque a vigilância do Anjo sem a
nossa não basta para nos salvar: é necessário que velemos nós também por
nossa salvação. Eu tenho feito um notável reparo, e é que nas mais das
ocasiões em que na Escritura Sagrada se faz menção dos Anjos se
desvelarem pela Salvação e resguardo dos homens, se faz justamente
menção do muito que se empenharam em fazer que os homens se desvelassem,
e despertassem do sono e modorra do seu descuido. Ide comigo, e
deixai-me fazer esta breve indução. Desvela-se o Anjo, de que há pouco
falámos, por libertar a Pedro do cárcere e prisões de Herodes; mas quer
que Pedro também se desvele por sua liberdade, despertando do sono em
que se achava: Surge velociter, et sequere me (Act. 12.7-8).
Desvelam-se os Anjos que foram castigar a Sodoma, por salvar de seus
incêndios a Lot para que também desperte e se desvele por sua salvação: Surge: in monte salvum te fac (Gen.
19.15-18). Desvela-se o Anjo do Senhor por remediar e socorrer a Agar
no desamparo do deserto, em que se achava com o seu filho a perigo de
morte; mas quer que Agar também desperte e se desvele por seu remédio: Surge: tolle puerum
(Gen. 21.18). Desvela-se o Anjo Custódio de Jacob pelo resguardar de
todos os encontros, e perigos que se lhe oferecerão na Mesopotâmia; mas
quer que Jacob também desperte, e se desvele por seu resguardo saindo-se
da terra em que se acha: Surge, et agredere de terra hac (Gen.
31.13). Desvela-se o Anjo Custódio de Israel por defender e libertar a
Gedeão, e aos do seu povo da operação de um poderoso exército dos
Madianitas; mas quer que Gedeão também desperte, e se desvele por sua
liberdade e defesa saindo a campo: Surge, et descende in costra
(Jud. 79). Desvela-se o Anjo de Elias pelo salvar e livrar com vida das
mãos e tirania de Jezabel, que lhe ameaçava a morte; mas quer que Elias
também desperte, e se desvele por se pôr a salvo: Surge: grandis enim tibi restat via
(III Re. 19). Desvela-se hoje finalmente o Anjo do Evangelho por salvar
a José e a sua família da crueldade de Herodes, que se opunha ao Reino e
ao Reinado de Cristo: Aparuit in somnis Josphe; mas quer José também desperte, e se desvele em pôr a salvo na fuga para o Egipto: Surge, et fugem Aegiptum.
É certo que todos e cada um destes Anjos podem realizar o que pretendem
sem necessitarem do desvelo dos homens; contudo, não quer Deus que,
fiados nós os homens no desvelo e custódia dos Anjos, nos deitemos a
dormir, e dormindo esperamos de nos salvar. Quer, sim, que ao desvelo
dos Anjos se ajunte o nosso, que isto está hoje dizendo o Anjo do Senhor
a S. José, e isto está também dizendo a cada um de nós o Anjo Custódio
deste Reino: Surge.
9. Donde venho eu pôr como remate deste
Sermão a tirar a consequência de um documento, ou moralidade, a que se
foi dirigindo aqui este todo o meu discurso. Se para o resguardo e
salvação de um Reino Temporal não basta o desvelo e custódia do seu Anjo
da Guarda, é necessário que o Reino também se desvele com o seu Anjo: Surge.
Como poderemos nós esperar que baste para o resguardo e salvação de
nossas almas, que é o Reino Espiritual do Senhor, como ao princípio
dizia, Fesisti nos Deo nostro regnum, a custódia dos Anjos, se
não acabamos de despertar do sono e letargo de nossas culpas aos brados
dos mesmos Anjos, que tão continuamente nos estão dando vozes internas
ao coração para que despertemos, e tratemos de nossa salvação: Surge, surge, qui dormis? Que durma um José Varão Santo, e Justo, Cum esset justus,
fiando em que tem à sua cabeceira ao Menino Deus, passe; que seguro
está quem por si tem e consigo a Deus. Mas que durma um pecador estando
em ódio, e inimizado com Deus, tão carregado de culpas e encargos da
consciência? Isto é para fazer pasmar até aos bárbaros gentios, que não
têm conhecimento de Deus, nem da vida ou da morte eternas que os espera:
Quid tu soport deprimeris? Fuge (Jon. 1.6): diziam a Jonas os
seus companheiros; quando naquela brava tormenta se estava deitado a
dormir lá pelo baixo dos convezes da embarcação, que fazes homem? É
possível que durmas? Que repouses? Agora sono? Agora descuido? Agora que
os ventos se cruzam e conjuram para a nossa perdição? Agora que o mar
se embravece, as velas se rompem, os mastros se estalam, o leme se
quebra, a Nau se está indo a pique, e nós com a Nau, agora colocas-te tu
a dormir? Quid tu sopore deprimeris? Desperta homem: Surge.
De que se admiram ou escandalizam estes bárbaros? De quê? E pois não
lhes sobeja razão para se admirar, e assombrar? Jonas não é um homem,
como ele mesmo confessou aos companheiros, que vai fugindo de Deus, A facie Domini ego fugio,
desobediente aos seus mandados? Não está actualmente fora da graça de
Deus, e em ofensa sua? A tempestade que se levanta, não é por
desrespeito seu? Ele mesmo o confessa: Propter me tempestas haec.
E que com tal perigo de perdição a olhos vistos, não acabe Jonas por os
abrir? Que não desperte? Ou que isto é matéria para fazer pasmar até
aos bárbaros gentios: Quid tu sopore deprimeris? Surge. Notem a força e ênfase daquele pronome, “Tuo, quid tuo?”.
Tu, que estás em desgraça de Deus, digo eu agora, tu, que te vês
ameaçado dos castigos de sua Divina Justiça, estás a dormir? Quid tu sopore de primeris?
Que durmam os Santos, que durmam os Justos, como José que tem a
consciência pura e sossegada, passe; mas tu, que tens a consciência tão
carregada e embaraçada, tu a dormir? Tuo sopore deprimeris? Que durma um Elias à sombra de uma árvore fugindo de Jezabel: Obdormivit in umbra juniperi
(III Re. 19); que enfim é um Elias zeloso da observância da Lei e honra
de Deus, que tem a seu cuidado defendê-lo e resguardá-lo de todo o
perigo; mas que durma um pecador, que durma um Jonas e com tão pesado
sono, Dormiebat sopore gravi, um rebelde e desobediente aos
preceitos Divinos, sem temor da vinda sobre ele da Ira de Deus, como
veio, com a sua negação perca o rumo da sua salvação e vá a dar no
ventre de uma baleia, ou no bojo e profundeza do Inferno, como ele lhe
chama: De ventre inferi clamavi? Essa é a admiração, esse é o assombro: quid tuo sopore deprimeris? Surge.
10. Que durma um Pedro (deixai-me ir
declarando mais as razões do meu assombro), que durma um Pedro
aprisionado da injustiça de Herodes, lançado em um cárcere carregado de
grilhões, Erat Petrus dormiens, passe; que enfim está em graça
com Deus, por cujo respeito padece estes grilhões; mas que durma um
Sansão no regaço de Dalila, aprisionado e algemado dos grilhões de seus
depravados afectos, Dormire eum facit super genua sua (Jud.
19.19), sem temor de que venha a perder, como perdeu, na grenha de seu
cabelo a valentia do espírito com que Deus o dotou? Sem receio de
perder, como perdeu, a liberdade que lhe tiraram os seus inimigos, e os
olhos que lhe arrancaram os Filisteus, sem já mais os abrir para
despertar e ver os perigos da sua salvação? Isso é o que me assombra: Quid tu sopore deprimeris? Surge. Que durma uma Alma Santa lá nos Cantares, fiada em que cerrando os olhos do corpo velam os olhos e cuidados do seu coração, Ego dormito, et cor meum vigilat
(Cant. 5.2), passe; mas que durma um Sifara, inimigo de Deus e do seu
povo, fiando no amparo de Jael, e adormecido na postagem do leite que
lhe deu a beber para lhe tirar a vida, como tirou, fazendo com que fosse
acordar entre os desacordos da sua eterna condenação? Isso é o que me
pasma: Quid tu sopore deprimeris? Surge. Que durma um Samuel no Templo de Deus, tendo à sua guarda a Arca do Senhor a cujo lado dormia, Samuel dormiebat in templo, ubi erat Arca Dei (I Re. 3.3), passe; mas que durma um Saúl com todos os soldados da sua guarda adormentados, Dormiebat omnes
(I Re. 16), estando em campanha, e tendo bem perto de si a David a quem
tinha por inimigo, sem se lembrar que quem tem inimigos não dorme, sem
recear de perder, como perdeu, as armas em que tinha a sua defesa, e a
taça em que tinha as delícias do seu refresco? Isso é o que me assombra:
Quid tu sopore deprimeris? Surge.
11. E quantos (voltemos agora sobre nós) e
quantos dormem, como Saúl na tenda, e campanha deste mundo com as
guardas dos seus sentidos todos adormecidos, descuidando-se da guerra
oculta que continuamente lhes estão fazendo os seus inimigos invisíveis,
com que vêm a perder as armas da vigilância, que são as mais provadas
para a nossa defesa no sentir de S. Pedro, Vigilate, quia adversarius vester diabolus sicut quaeres, quaem devoret,
e se põem em perigo de perder as delícias da Bem-Aventurança que haviam
de lograr para sempre? Quantos dormem, como Sifara, deitando-se à noite
muito confiados do prazo da sua vida, e muito carregados, quando dá
sobre eles aquela crudelíssima Jael da morte que não dorme, e dando-lhes
um golpe, ou acidente mortal, vão acordar ao outro dia entre os
desacordos da sua condenação? Quantos dormem, como Sansão, entre os
afagos da sensualidade e carícias de Dalilas infiéis, com que vêm a
perder as forças da alma e a valentia do espírito, com que haviam de
rebater os assaltos das tentações, e as investidas dos Filisteus
infernais, que privando-os da liberdade da graça em que algum tempo
viveram, a vista dos olhos, com que se deviam resguardar dos perigos ou
laços de suas danadas afeições, os privam finalmente da vista e glória
de Deus? Quantos dormem, como Jonas, nesta brava costa do mundo entre as
alteradas ondas que se levantam do mar empelado dos seus pecados, com
que vem a perder a viagem que deviam fazer para o porto da salvação pelo
rumo de Ninive, ou da penitência das suas culpas, com que vêm a fazer
um triste e lamentável naufrágio nessa fatal tormenta, ou tormentos do
Inferno em cujo bojo, ou ventre, se acham sepultados, dando brados mais
funestos que os que dava Jonas lá no ventre da baleia: De ventre inferi clamavi?
E não quereis que me admire? Não quereis que me assombre de ver tanto
sono, de ver tanto descuido, de ver tanta negligência nas matérias da
salvação, sem que bastem para nos despertar os brados que nos estão
dando os Anjos Custódios deste Reino de Deus, que são nossas almas? Oh,
que este sono, este descuido, esta negligência nos desvelos do que mais
nos importa que é a salvação, não pode de deixar de fazer pasmar e
assombrar até aos que forem tão bárbaros como eram os companheiros de
Jonas, na sua navegação para Tarsis: Quid tu sopore deprimeris? Surge.
12. Anjo Santo, Espírito Soberano, Guarda Mor de Portugal, que por comissão de Deus e disposição de sua Divina Providência, tendes à vossa conta resguardar a este Reino não só no tocante ao Temporal defendendo-o de todas as hostilidades dos seus contrários, promovendo-o no aumento das suas felicidades, e adiantando-o nas empresas de suas conquistas, senão também tocante ao Espiritual, que é o mais relevante: peço-vos, encarecidamente, que levanteis a voz animada com os alentos do vosso espírito, e reforçada com os penetrantes golpes de vossas santas inspirações, e deis a cada uma das nossas almas adormecidas em suas culpas aquele saudável brado, que deu hoje o Anjo do Evangelho a S. José, e que a mim me deu matéria para este Sermão: Surge, para que despertemos todos de tão prolongado sono e tão pernicioso descuido nas matérias da nossa salvação, e abrindo os olhos da nossa vigilância possamos, mediante a protecção da vossa custódia, evitar os perigos, que se nos oferecem assim na carreira da vida temporal, como no caminho da vida eterna: Ad quam nos, etc.
NOTAS
[1] José João Riguad de Sousa, Mosteiros do Concelho de Amares – Mosteiro de Santa Maria de Bouro. Minia, 2.ª Série, 2-3, pp. 44-56, Braga, 1979.
[2] José Luís de Pina, Castelo de São Mamede e igreja de São Miguel do Castelo. In “Ilustração Portuguesa”, n.os 25-26, Julho-Agosto, Porto, 1928.
[3] Jorge Rodrigues, O mundo românico (séculos XI-XIII). In História da Arte Portuguesa, vol. 1, pp.180-331, edição Círculo de Leitores, Lisboa, 1995.
[4] René Guénon, O Rei do Mundo. Editorial Minerva, Lisboa, 1978.
[5] Na iconografia cristã, o Anjo Mikael aparece com esses dois atributos nas representações do “Juízo Final”.
[6] Kshatriya, em sânscrito, equivale ao cavaleiro ou guerreiro, isto é, a casta militar de quem o rei era chefe supremo.
[7] Função de Melki-Tsedek ou “Rei do Mundo” desempenhada por São Jorge ou Akdorge, em tibetano, que é uma espécie de “miniatura” terreal do São Miguel ou Mikael
celestial por seus atributos e funções idênticas às deste, um como
Guardião do Paraíso Terrestre e outro na função psicopompa de conduzir
as almas eleitas dos puros aos Paraíso Celeste de que também é Guardião.
Ambas as divindades tendo o Fogo como o seu elemento natural, tanto o
do Céu como o da Terra.
[8] Shekinah é a
Manifestação de Deus sob forma feminina, o que a dispõe na Revelação da
Luz do Divino Espírito Santo. Donde, na primazia do padroado de
Portugal, a Virgem Maria aparecer junta com o Arcanjo Mikael.
[9] Essa última observação recorda naturalmente as seguintes palavras: Benedictus qui venit in nomine Domini (“Bendito Aquele que vem em nome do Senhor”). São aplicadas ao Cristo que o Pasteur d´Hermas assemelha precisamente a Mikael de uma maneira que pode parecer bastante estranha, mas que não deve espantar aqueles que compreendem a relação entre o Messias e a Shekinah. O Cristo é também designado por “Príncipe da Pax” e é, ao mesmo tempo, o “Juiz dos vivos e dos mortos”.
[10] Henrique José de Souza, O Despertar de Mahimã, 1948-1950. Obra não editada.
[11] Segundo a lenda de
fundação, D. Afonso Henriques vira aparecer ao lado do seu braço direito
um outro braço armado de espada em riste que terminava junto ao ombro
com uma asa de cor púrpura. O rei concluiu que esse braço pertencia ao
seu Anjo da Guarda São Miguel, tendo muitos dos mouros cativos na
batalha jurado também tê-lo visto.
[12] Crónica Geral de Espanha de 1344,
compilada por Pedro Afonso, conde de Barcelos e filho natural do rei D.
Dinis. Edição crítica por Luís Filipe Lindley Cintra, Academia
Portuguesa da História, Lisboa, 1951-1961.
[13] Frei Bernardo de Brito, Crónica de Cister, primeira parte. Lisboa, 1602.
[14] D. Ascanio Tamburini de Marradio, De Jure Abbatum, et Alliorum Praelatorum, tàm Regularium, quàm Secularum, III Tomo. Colónia Agripina, 1691.
[15] Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano dos Santos e Varões ilustres em virtude do Reino de Portugal, e suas conquistas, Tomo III, p. 126. Lisboa, 1666.
[16] Padre António de Vasconcelos, Tratado do Anjo da Guarda, parte I, p. 2. Évora, 1621.
[17] Vitor Manuel Adrião, Portugal Templário – Vida e Obra da Ordem do Templo, pp. 354-356. Madras Editora Ltda., São Paulo, 2011.
[18] Pinharanda Gomes, Povo e Religião no Termo de Loures. Paróquia de Santo António dos Cavaleiros, Loures, 1982.
[19] Na época quinhentista aparece um nome marrano para o Arcanjo: Bérrio. A aravela Bérrio
que fez parte da frota de Vasco da Gama que descobriu o caminho
marítimo para Índia, capitaneada por Nicolau Coelho e pilotada por Pêro
Escobar, não deve o seu nome a tão-somente ter sido cedida por Manuel de
Bérrio, armador natural de Lagos, porque se assim fosse escusava-se o
indistinto de apodá-la Bérrio e baptizá-la São Miguel, dispondo os nomes como sinónimos um do outro. Cf. Fernão Lopez de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, Livro I. Lisboa, 1883.
[20] Manuel J. Gandra, O Anjo Custódio de Portugal. Edição do autor, Mafra, 2007.
[21] José Fernandes Pereira, A Escultura de Mafra. Lisboa, 2003.
[22] Joaquim da Conceição Gomes, O Monumento de Mafra. Lisboa, 1866.
[23] Ayres de Carvalho, A escultura em Mafra. Mafra, 1950.
[24] Alain Jacobs, L´Archange
Raphael et l´Ange Tutélaire du Royaume du Portugal Sculptés à Rome vers
1730 – 1732 par Laurent Delvaux. Contribution à l´Étude des Sculpteurs
de la Basilique de Mafra. In “Gazette des Beaux-Arts”, Tomo CXXVIII, Ano 138, pp. 71-90, Setembro 1996.
[25] Teresa Leonor M. Vale, Obras do escultor Filippo della Valle (Florença, 1698 – Roma, 1768) realizadas para Portugal ou para portugueses. Revista da Faculdade de Letras, “Ciências e Técnicas do Património”, I Série, Vol. V-VI, pp. 601-614, Porto, 2006-2007.
[26] Max Heindel, Conceito Rosacruz do Cosmos. Editora Alfaômega Portugal, Lisboa, 1981.
[27] Segundo Sérvio, em Virgilii Aeneidos Commentarius (“Comentário à Eneida de Virgílio”), 5, 95, “nenhum lugar é sem um Génio” (nullus locus sine Genius).
Macróbio afirmava que cada cidade possuía o seu deus protector ou
tutelar, reproduzindo uma fórmula para conjurar os deuses a abandoná-la,
em Saturnalia, III, no que era corroborado por Plínio, em Historia Natural, XXVIII.
[28] Padre António Carvalho da Costa, Corografia Portugueza e Descripçam Topográfica do famoso Reyno de Portugal, p. 228. Lisboa, 1706.
[29] Frei Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa, pp. 139-240. Lisboa, 1620.
[30] D. António Caetano de Souza, Agiológio
Lusitano dos Santos e Varões ilustres em virtude do Reino de Portugal, e
suas conquistas. Consagrado à Imaculada Conceição da Virgem Maria
Senhora Nossa, Padroeira do Reino, Tomo IV. Lisboa, 1744.
[31] Archivo Pittoresco – Semanário Illustrado, volume IV, p. 167. Lisboa, 1861.
[32] Padre António Cordeiro, História Insulana das Ilhas a Portugal Sugeitas no Oceano Occidental, volume I. Lisboa, 1866.
[33] Segundo Manuel J. Gandra, o primeiro Missal
a incluir a missa do Anjo Custódio do Reino é o de Braga, impresso em
Leon de França, em 1558, por ordem de D. Frei Baltasar Limpo. A Epístola
foi extraída de IV Reis, XIX, 20; Êxodo, XXIII, 20 e Mateus, II, 19. O Breviarium Romanum (Lisboa, 1791) é um dos derradeiros a conter referência à festa do Santo Anjo da Guarda do Reino.
[34] Padre Manuel da Silva, Sylvia Condionatoria – Primeira Parte Panegyrica – Sermoens em Várias Celebridades, Tomo II. Lisboa, 1699.
Sem comentários:
Enviar um comentário